O conto “Meu tio, o Iauretê” (1962), de Guimarães Rosa, problematiza a fronteira entre o homem e o animal, através de uma escrita intensiva, que busca desvelar o animal no humano. Dessa forma, pensar a animalidade em Guima-rães Rosa, significa pensar aquilo que o filósofo francês Gilles Deleuze denominaria “Devir-animal”, conceito presente no texto 1730-Devir- intenso, Devir-animal, Devir-imperceptível..., e que seria da ordem de uma conjugação de um homem com um animal, sendo que nenhum deles se assemelharia ou até mesmo imitaria o outro, ou seja, não seria uma questão de metamorfose, mas de devires, atravessamentos e curto-circuito entre reinos. Nesse sentido, a filosofia de Gilles Deleuze, Jaques Derrida e Georges Bataille servirão como escopo básico para que se reflita sobre a questão do eu e do outro, do homem e do animal, da identidade e da diferença. A problematização dessa questão, através da literatura, visa demonstrar como se dá, na narrativa literária, na linguagem, o questionamento do antropocentrismo, nas palavras de Derrida os “pró-prios do homem”, o que acarretaria na subsunção da potência da vida, pura, imanente.
Em sua vasta obra, Antonio Candido defende de maneira consistente a compreensão da literatura como um fator de humanização. Essa noção parte de um pressuposto evolucionista que associa humanização a civilização e segundo o qual diferentes grupos de pessoas estariam em diferentes estágios de desenvolvimento, sendo mais civilizados aqueles que superaram um estado de simbiose com a natureza. De acordo com essa perspectiva, a literatura desempenharia um papel fundamental no processo de distanciamento entre o homem e o mundo natural. O objetivo deste ensaio é confrontar a visão de Candido a duas narrativas de Guimarães Rosa: Meu tio o iauaretê (1961) e A terceira margem do rio (1962), para problematizar a função humanizadora da literatura advogada pelo crítico.
O trabalho propõe um estudo da linguagem e da cosmovisão do narrador do conto, e como esses dois âmbitos da obra estão interligados para introduzir um aspecto altamente inovador na literatura brasileira através do uso da língua tupi de maneira provocadora.
Por nos parecer que linguagem e cosmovisão do narrador-personagem são indissociáveis, ambos os aspectos serão analisados no intuito de descobrir a intenção do texto de uma humanização da literatura através de uma possível desumanização do narrador-personagem, que transita no limiar do humano e o animal. Seria realmente uma desumanização o processo de transformação do narrador em onça? Ou seria, uma outra espécie de humanização, uma cosmovisão que difere da visão ocidental que separa humanos e animais? Sobre a questão animal, também dialogaremos com o ensaio Pensamento e animalidade em Vidas secas de Gustavo Silveira Ribeiro, afim de discutir a presença do animal na literatura e sociedade.
Meu tio, o Iauaretê propõe ainda uma d