Na Bíblia, a queda é o primeiro conflito, o acontecimento que dá início à história do homem, encerrada depois com a metáfora da salvação. Contudo, ambas metáforas não se restringem a esses dois momentos, fazendo parte de toda a narrativa bíblica, nos pactos firmados e rompidos entre homem e Deus, e nas ficções seculares tanto clássicas quanto modernas, em suas mais variadas formas e significados. Na narrativa ficcional, a salvação e a queda estão relacionadas à morte, tanto como tema, da vida de um indivíduo que chega ao fim, quanto estrutura, já que toda narrativa, para que tenha sentido, precisa de um fim. Deste modo, partimos de uma análise do “instinto de morte” de Freud (2010) para chegar à teoria da narrativa de Peter Brooks (1992) em torno da relação entre ficção e morte, buscando amparo em diversos autores como Lukács (2009), Benjamin (1994), Blanchot (2011), Octavio Paz (2012; 1996) e outros. Após essa introdução teórica, entramos na análise comparativa entre Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e O risco do bordado, de Autran Dourado, com o seguinte caminho: a queda primordial do protagonista que sai de casa rumo ao aprendizado; a morte do pai e seus múltiplos sentidos; a experiência frustrante com o amor; o pacto necessário para se manter viva a narrativa; e, por último, o acontecimento final nos dois romances, a morte de Diadorim, em Grande sertão, e a morte de Xambá, em O risco do bordado, cada uma com seu significado próprio e intimamente relacionado à salvação e à queda.