Guimarães Rosa foi o escritor que, como poucos, soube explorar as potencialidades do olhar na experiência de seus personagens para que estes criassem, a partir daí, um universo simbólico para a renovação de si mesmos e do mundo que os cerca. O aprendizado do olhar em Rosa pode ser comparado com o processo em que o prisioneiro, na alegoria da caverna, liberta-se, e sucessivamente passa de um estado de ignorância, em que via apenas o ilusório e o aparente, para a visão das formas puras e inteligíveis. Platão compara o sol com a forma do Bem. Um texto do escritor mineiro ilustra esse aprendizado do olhar em paralelo com a visão platônica: a novela Campo geral. Nela, o personagem central é uma criança míope de oito anos que, num processo de descoberta do mundo, renova o seu olhar a cada momento, a exemplo do prisioneiro liberto da alegoria da caverna.
A obra de Guimarães Rosa é marcada sobretudo pelo reconhecimento crítico do êxito alcançado em sua proposta estilística inovadora. Com seu apuro formal e experimentalismo na linguagem, conseguiu levar a língua a patamares jamais atingidos, tornando sua prosa singular. Soma-se a isso, uma capacidade criativa extraordinária, com uma imaginação fecunda capaz de inventar tramas e personagens inesquecíveis. O autor mineiro, também, em sua realização ficcional, entrega ao leitor mais exigente reflexões profundas acerca da natureza do ser humano e do mundo em que vivemos. Os personagens de Guimarães Rosa, em sua grande maioria sertanejos à margem do processo dito civilizatório, mas com sabedoria e perspicácia que beiram o sublime, apresentam um tipo de olhar que busca desvelar o que se esconde por trás da realidade aparente. Como o olhar de Riobaldo, que tenta obter respostas para esclarecer o sentido de sua existência neste mundo tão “misturado” e caótico. Este trabalho visa exatamente compreender o olhar em Grande sertão: veredas, na figura de seu protagonista, valendo-se das contribuições teóricas e análises da obra rosiana, particularmente dos ensaios e estudos realizados por Benedito Nunes e Heloisa Vilhena de Araújo.