A obra de Guimarães Rosa é marcada sobretudo pelo reconhecimento crítico do êxito alcançado em sua proposta estilística inovadora. Com seu apuro formal e experimentalismo na linguagem, conseguiu levar a língua a patamares jamais atingidos, tornando sua prosa singular. Soma-se a isso, uma capacidade criativa extraordinária, com uma imaginação fecunda capaz de inventar tramas e personagens inesquecíveis. O autor mineiro, também, em sua realização ficcional, entrega ao leitor mais exigente reflexões profundas acerca da natureza do ser humano e do mundo em que vivemos. Os personagens de Guimarães Rosa, em sua grande maioria sertanejos à margem do processo dito civilizatório, mas com sabedoria e perspicácia que beiram o sublime, apresentam um tipo de olhar que busca desvelar o que se esconde por trás da realidade aparente. Como o olhar de Riobaldo, que tenta obter respostas para esclarecer o sentido de sua existência neste mundo tão “misturado” e caótico. Este trabalho visa exatamente compreender o olhar em Grande sertão: veredas, na figura de seu protagonista, valendo-se das contribuições teóricas e análises da obra rosiana, particularmente dos ensaios e estudos realizados por Benedito Nunes e Heloisa Vilhena de Araújo.
João Guimarães Rosa publicou Sagarana, no Brasil, em 1946, e ficou rapidamente conhecido no exterior, especificamente na França, onde sua primeira obra foi publicada em 1959. Por se tratar de uma literatura com uma importante dimensão sociocultural, a tradução das obras de Rosa aparece como um desafio no que tange à transmissão do universo sertanejo para a língua francesa. A partir do conceito de etnoterminologia de Maria Aparecida Barbosa (2007, 2010), um estudo terminológico configura-se como uma ferramenta necessária à análise das traduções das obras do autor mineiro, pois, em consonância com a pesquisadora, as unidades lexicais podem assumir a função de termo conforme o universo discursivo em que elas se inscrevem (BARBOSA, 2007, 2010). O objetivo principal deste artigo é discutir, portanto, conceitos fundamentais da linguagem de João Guimarães Rosa na perspectiva da Etnoterminologia, mais especificamente no âmbito de sua tradução para o francês, único meio de dar acesso ao leitor francófono ao universo etnoliterário do autor. Para tanto, realiza-se uma análise etnoterminológica dos dois glossários elaborados pelos tradutores franceses das obras Sagarana (1997) e Essas Estórias (2016), destacando as possibilidades da terminologia aplicada (BARBOSA, 2007) a partir das obras do autor. O trabalho demonstra, ainda, que a tradução dos textos rosianos para o francês necessita de um estudo cuidadoso das unidades lexicais, que adquirem o estatuto de termos por estarem em uso no discurso etnolitetário de João Guimarães Rosa.