"As mulheres e o mundo do sertão na obra de Guimarães Rosa" é uma leitura de Grande sertão: veredas e das novelas "Dão-Lalalão" e "Buriti", com incursões em outros textos que, em determinado momento, foram considerados importantes para ilustrar um ponto de vista de análise ou evidenciar um traço recorrente do autor. A atenção deste escrito está voltada para a linguagem, não para observar a riqueza da criação de palavras e a maneira originalíssima de relacioná-las entre si, mas como ferramenta de criação de um mundo de significados presentes na alma humana, no caso, expressa pelo retrato do homem do sertão de Minas Gerais, mas de forma alguma reduzida por limites de espaço ou de tempo. Entre os elementos narrativos, este estudo privilegia as personagens, sempre complexas. Complexidade que se expressa no ritmo dos eventos, marcados por idas e vindas não apenas espaciais e temporais-cronológicos, mas também e principalmente pela dosagem de informação fornecida em cada situação. As personagens se dão a conhecer por suas ações, falas e reflexões, mas nem sempre as ações são decisivas ou a fala é conclusiva; o próprio pensamento muitas vezes é conjetura, suposição, desconfiança. O universo do texto de Guimarães Rosa é essencialmente povoado de homens. As mulheres ocupam menos do que eles o espaço público das histórias, mas isso não deve nos enganar quanto à densidade da personagem feminina, ao significado do seu estar no mundo e sua ressonância sobre o destino dos homens. Os homens supõem coisas acerca das mulheres, e raramente sua suposição é confirmada ou desmentida por elas mesmas ou por alguém que saiba mais delas do que o personagem masculino. De Doralda sabemos o que Soropita sabe, mas, como ele está sempre se surpreendendo com ela, desconfiamos que pode haver muito mais. Diadorim quase nada conta de si a Riobaldo, e o que conta é pouco relevante. Diadorim faz confidências à mulher do Hermógenes, e, para esta ) leitura, o ato da confidência "àquela" mulher, mais do que o conteúdo confidenciado, apresenta-se como demarcador de mundos, ressaltando que o mundo feminino tem mistérios, verdades complexas que a simples palavra nem sempre traduz. Lembremos aqui a relação amorosa entre a mãe e a filha de Sorôco cuja densidade a cidade não soubera perceber. O papel de Lalinha em "Buriti" é exemplar. Naquela fazenda de fim de mundo, aonde chegou resguardada pelo pai do ex-marido, ela vai iluminar o destino não só de Maria da Glória em seu estado de tardia puberdade, mas de todos dali, homens e mulheres. Sua imagem, que para aquela gente sertaneja era de quem parecia não ter o juízo no lugar, desestabiliza verdades seculares e instiga ao convívio com o diferente.