Francisca Marta Magalhães de Brito
Tese de Doutorado
2013
Tutameia: terceiras estórias (1967), de Guimarães Rosa, reúne quarenta contos, quatro prefácios, várias epígrafes, glossários e citações. Desperta o interesse do público leitor, por seu estilo sintético e inovador. Destacamos a inventividade do autor ao lado de um processo de revitalização da linguagem. Evidenciamos o estabelecimento de pontos de contato entre a obra e as teorias ficcionais da modernidade, que veem o romance e as outras formas de narrar como problemáticas – uma variante do herói problemático, analisado por Lukács (2000). A união da invenção e crítica, paródias, paradoxos, travestimentos, inversões apontam para a dissolução dos gêneros – questão abordada por Bakhtin (2010), que analisa o romance, como forma, de modo diverso de Lukács. A discussão teórica instaurada nos prefácios e contos abrange a dimensão do ficcional do texto. A questão paratextual é vista com aporte em Gérard Genette (2009) – Paratextos editoriais. Tutameia é também o livro em que a literatura se volta para si mesma, numa reflexão sobre suas próprias condições de existência. A narrativa tematiza a própria literatura, desconstruindo-se para construir algo maior, nos termos de Arrigucci Jr. (2003). Dialogamos com autores que trazem pressupostos da teoria do conto, como forma literária – origem, evolução e características: Nádia Battella Gotlib (2006) – Teoria do conto; João Décio (2013) – “A forma conto e sua importância”; Rosa Maria Goulart (2003) – “O conto: da literatura à teoria literária”. O primeiro prefácio de Tutameia é lido como o prefácio que realiza a apresentação da obra, por conter pressupostos teóricos que se desdobram nos outros três. Daí, o motivo da seleção para nossa análise dos quatorze contos introduzidos por “Aletria e hermenêutica”, prefácio que tematiza o anedótico – tema que também se desenvolve nos outros paratextos. A inversão da perspectiva permeia todo o livro, apontando para a desconstrução de condicionamentos, para a construção de algo novo – processo mimético ancorado na diferença, que promove a abertura da obra para a indeterminação. O riso constitui um dos operadores da inversão, constituindo-se um traço marcante, na obra: um riso superior, que problematiza a realidade, possibilitando ao leitor reflexões profundas, delineando o ausente ou o não dito pela presença – processo metaficcional relacionado à teoria do efeito e aos atos de fingir de Wolfgang Iser e ao conceito de mímesis da produção de Luiz Costa Lima – teóricos que fornecem um instrumental relevante para a análise de Tutameia, um livro que abre muitas portas para a ação do leitor, desafia a lógica convencional do paratexto, num alargamento de fronteiras entre o texto crítico e o ficcional. Os prefácios de Tutameia cumprem a função prefacial, menos porque realizam a apresentação da obra, do que pela discussão sobre a criação artística que empreendem. Tal é a relação que subsiste entre os prefácios e estórias: refletem-se mutuamente e interpenetram-se. A questão que anima essa dinâmica aponta para uma espécie de estatuto da literatura, sendo, por isso, coerente afirmar que Tutameia não compreende somente uma coleção de contos de Guimarães Rosa, mas também um exercício de crítica da literatura.