Ao transpor o pórtico que nos conduz ao grande labirinto formado pelas veredas rosianas, deparamo-nos com indivíduos marcados pelo desejo, cujas dimensões sexualidade, amor, corpo são determinadas pela dinâmica sócio-cultural em que estão inseridos. Contudo, se as padronizações culturais da sexualidade, muitas vezes reduzem o desejo a formas intercambiáveis; a natureza desejante de cada indivíduo pode propor o contrário: um universo desejante quase ilimitado na sua inventividade. Por isso, o presente trabalho tem por objetivo analisar as configurações do desejo homoerótico em sua conexão com as faces de Eros, no romance Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa. Para tanto, realizou-se um percurso teórico-metodológico sustentado na tradição da Sociologia da Literatura e na hermenêutica-fenomenológica, uma vez que a problematização do desejo
homoerótico se fez a partir da fala de Riobaldo quando remetida à imagem/lembrança de Diadorim. Nesta perspectiva, trabalhou-se o status homoerótico na fábula pelo viés
performático, principalmente no que tange à performance travestida de Reinaldo/Diadorim e pela noção de estranhamento que se revela no momento em Riobaldo se percebe apaixonado pelo companheiro. A conscientização desse sentimento transita entre as personagens em silêncios e segredos, sabedoria de amor que lhes penetra o ser, mas negado por ambos a ser declarado. Essa luta permeará toda a narrativa: de um lado o medo e a culpa desse sentimento subversivo; de outro a certeza de um amor que parece aumentar com o passar do tempo. Um amor que levará Riobaldo a repensar sua existência, sua identidade, seu estar no mundo. Diadorim, por sua vez, revela as ambigüidades que descortinam o ser humano. Portanto, se a sociedade constrói discursos e scripts através dos quais nossa sexualidade é percebida e vivida, a trajetória de Riobaldo e Diadorim demonstra que, acima de estereótipos e preconceitos, o que há é apenas homem humano.
Em Grande sertão: veredas (1956) o tom sério da narrativa se mescla com o aparecimento de elementos cômicos que, apesar de esparsos, participam da estruturação da narrativa. Este estudo analisa de que forma se dão as manifestações da comicidade, tais como procedimentos, técnicas, estruturas cômicas, chistes, bem como a representação do riso nesse romance, de Guimarães Rosa, buscando relacionar esses elementos com o enredo. Para tanto, partiremos de um instrumental teórico sobre o cômico e o risível, a saber, Aristóteles (2008), Bergson (2007), Freud (1977), Jolles (1976), Propp (1992), Minois (2003), além das discussões críticas de Candido (1990), Galvão (1986), Nunes (2013), Utéza (1994) e Hansen (2000). Ademais, a função desempenhada pelos processos cômicos presentes nessa narrativa nos permite compreender o papel da comicidade nas suas distintas formas no romance rosiano. Assim, foi possível discutir as relações entre o sério e o cômico, bem como o constante alívio de tensões. As recriações linguísticas rosianas, conforme as discussões de Freud (1977), derivam em prazer em momentos de tensão, suscitando um alívio, o que permite não só que o leitor prossiga na leitura, como também que a narrativa, porque densa devido às tensões das batalhas dos jagunços, flua com momentos de distensão. Ainda a funcionalidade vai além disso: a relativização de valores e de comportamentos que repensam a lógica usual do mundo talvez seja o mais recorrente. Nesse caso, apontam nossas análises, o cômico decorre de uma inversão da lógica cultural e concorre para a superação de preocupações metafísicas pela via do riso.