Este trabalho intenta refletir sobre a relação entre corpo e linguagem, a partir dos modos como ela é encenada em Nove noites, de Bernardo Carvalho, e “Meu tio o iauaretê, de Guimarães Rosa. No romance de Carvalho, narradores, agenciados pelo narrador-romancista, tentam esclarecer, a partir de múltiplos relatos, o suicídio de Buell Quain, que mutilou o próprio corpo, aniquilando-se, como resposta a um conflito entre seus desejos e o processo civilizatório que incide na existência de cada sujeito e a constitui. No conto de Rosa, por sua vez, o leitor depara com um narrador-escritor que, encenando o discurso oscilante do onceiro-jaguar, relata como o matou para salvar-se de ser devorado. Trata-se, portanto, de uma narrativa sobre a aniquilação de um corpo que, como último recurso à sobrevivência, volta-se à natureza animalesca, diante da incidência da linguagem impossível de realizar-se satisfatoriamente na língua (dominadora) do outro. Como recursos a essa reflexão, são agenciadas a concepção de linguagem de Benveniste (1989a, 1989b, 1976a, 1976b), a noção de ficção de Iser (2002) e a leitura do conto de Rosa feita por Wey (2005).
Este trabalho faz parte das investigações acerca das relações entre literatura brasileira e história, objeto de dois projetos de pesquisa em curso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O artigo pretende estabelecer um percurso de leitura que envolve quatro autores brasileiros de épocas distintas, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Raduan Nassar e Bernardo Carvalho. A ficção desses autores provoca a emergência de um pensamento crítico-literário renovado. Defendemos a
ideia de que há um “mundo crítico do texto” que dialoga e desconstrói o “texto crítico do mundo” afetado pelo contexto com/contra o qual se relaciona. Deste modo, interrogamos na literatura de que forma se estabelecem o pensamento histórico, social, político e filosófico, dentre outros entre-lugares discursivos.
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