Esse artigo investiga a arte criativa de João Guimarães Rosa a partir dos fluxos poéticos que engendram o universo inexprimível de sua escrita. Norteados pelas reflexões de Hugo Friedrich (1978) acerca da Estrutura da Lírica Moderna, esse estudo visa demonstrar aproximações entre as configurações da imaginação poética de Guimarães Rosa e a moderna arte de poetar enunciada por Charles Baudelaire. Para tanto, propomos a análise de alguns aspectos do poema Evanira, presente em Ave, Palavra (2001), recheado de nuances poéticas e catalisador da totalidade sem limite da palavra como elemento essencial e força propulsora da obscura linguagem empreendida pelo autor.
O presente estudo propõe uma reflexão acerca da poética de João Guimarães Rosa (1908-1967). A hipótese é que a produção do escritor apresenta características essenciais à constituição da lírica moderna. Ao abolir a linha divisória entre poesia e prosa narrativa, Rosa coloca-se na linha de frente daqueles narradores que, ao conceder primazia ao artesanato formal do objeto literário, creditam à palavra o poder de extravasar os grilhões da referencialidade naturalista à qual se rendera grande parte da ficção brasileira produzida até então. Inquieta, obscura, experimental, a escritura de Rosa subverte os dados cristalizados pela tradição e oferece ao leitor uma experiência de estranhamento em relação à própria linguagem, tomada como instrumento privilegiado de investigação de um real fugidio e paradoxal, arisco às investidas da razão objetiva.