O escritor João Guimarães Rosa, além de toda a elaboração estética, do significado mítico-místico e da profunda concepção psicológica de seus personagens, deixa transparecer também em sua obra uma preocupação sobre as questões sociais e ambientais que envolvem o cenário regional, nacional e universal do sertão, que também é o mundo. No projeto literário do autor, o sertão e o Cerrado transcendem seus destinos de moldura narrativa, para se conformarem em personagens co-protagonistas das narrações. Um espaço-palco permeado por uma rica e sofrida história, um mundo muito misturado no coração do país. Apesar de evidenciar um continuum espacial em todas as suas narrativas, existem nuances socioespaciais intercaladas entre os livros do autor. Selecionamos nesta pesquisa três momentos ficcionais e alegóricos deste espaço movimentante: a) o sistema jagunço de Grande Sertão: veredas; b) os gerais em movimento de Corpo de Baile; c) e o mundo maquinal de Primeiras Estórias. As nuances ficcionais são reflexos das transformações dos gerais, desde a decadência do jaguncismo no final do século XIX e início do século XX, passando pelo desenvolvimento getulista nos anos 40 e 50, até a inauguração de Brasília, no início da década de 1960. O autor, contudo, não pode acompanhar as intensas transformações do Cerrado nas décadas subsequentes à sua morte em 1967. As mudanças de matrizes de racionalidades levadas pela modernização para o ambiente artístico de Rosa induziram profundas modificações na dinâmica dos recursos naturais e no sistema de uso da terra. Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa, além da análise das obras de Guimarães Rosa, conceber uma experiência sensorial com o sertão rosiano na atualidade para absorver sabedorias in locu e compreender de que maneira se articula este espaço movente. A vivência de campo contribuiu para a escritura de sete episódios/insights, contextualizando os três momentos ficcionais de Grande Sertão: veredas, Corpo de Baile e Primeiras Estórias e suas relações com o sertão presente. Concluiu-se que apesar das pressões externas, a cidade não acaba com o sertão. A matéria vertente integradora do ser-tão cerrado continuará a conduzir sua alma, enquanto for dimensão da vida humana, de existência, onde é percebido, vivido e afetivamente experienciado pelos sertanejos. E é de dentro deste lugar onde deve estar o núcleo de resistência que represente uma resposta veemente às tentativas de homogeneização do espaço. Vimos alguns exemplos de resistências socioambientais, cujas propostas locais partem da inspiração na matriz literária de Guimarães Rosa, capaz de transmitir, iluminar e estimular um olhar artístico para o espaço, tal como lentes para uma percepção cativante da realidade.
Esta tese analisa no conjunto das sete novelas de Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, as figurações do espaço, com foco na relação de unidade e fragmentação entre as narrativas. Trazemos à luz de nossa interpretação os diferentes modos de articulação e coexistência na integração das partes que, na composição do conjunto do livro, se unem por meio de várias conexões: espaço comum, mesmo universo ficcional, personagens que se repetem, recorrência de temas, reiteração de motivos. Nesta leitura, demonstramos como esses aspectos que impossibilitam a fixação de limites entre as narrativas interferem no modo ambivalente com que o espaço se configura. Dentro de nosso horizonte interpretativo, destacamos como essas ocorrências que desorientam os limites fixos se intensificam, dando uma visão problematizadora das formas de representação espacial. Em nossos estudos, identificamos o sertão-gerais como uma categoria potencialmente significativa na composição do universo móvel do livro, que se desdobra e se ressignifica em várias dimensões: geográfica, social, cultural, histórica, simbólica e mítica. Acrescentamos ainda ao exame desse espaço paradoxal reflexões acerca da maneira como as personagens aparecem e reaparecem em condição de trânsito, gerando uma tensão entre autonomia e interdependência, que coloca em jogo a rede de referências entre as novelas.
Esta dissertação tem como objetivo refletir sobre as estratégias narrativas configuradoras de espaços e espacialidades tal como se manifestam em contos do escritor brasileiro João Guimarães Rosa e dos escritores angolanos José Luandino Vieira e Boaventura Cardoso. A composição do corpus foi motivada por textos que permitissem uma aproximação com vistas ao deslinde das configurações espaciais que estruturam as narrativas. Para a realização do estudo, foram conclamados pontos de vista teóricos sobre espaço e espacialidade, particularmente, os de Edward Soja, Doreen Massey, Michel de Certeau, Cássio Hissa e, principalmente, Milton Santos. Embora os objetivos da dissertação privilegiem a constituição espacial, discussões sobre as categorias personagem e tempo também estão presentes para demonstrar a pertinência de utilização de um conceito tomado ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman e de sua teoria sobre o refugo humano. Essa teoria subsidiou a percepção de certas personagens dos contos selecionados, delineadas por elementos que fazem parte do conceito de refugo humano. Como se pretendeu demonstrar, a orquestração de seres do lixo, nos contos analisados, arquiteta e cristaliza o veio de uma literatura que, mesmo produzida em contextos culturais tão diversos, permite construir pontos de contato e delicados olhares para espaços, espacialidades, territórios, paisagens e lugares e seus seres redundantes e exibi-los na cena literária.
O estudo pretendeu examinar, para dar destaque, o discurso poético do escritor norte mineiro, Jove da Mata, poeta pouco conhecido nos meios acadêmicos e que procura expressar o sentimento do povo das barrancas o homem barranqueiro do São Francisco. A leitura se deu a partir da análise da imagem desse Rio que se configura como principal agente estruturador de alguns dos poemas estudados. Para tanto, fez-se dialogar a obra de Jove da Mata com a figuração do(s) rios, sobretudo do próprio São Francisco, no romance de Guimarães Rosa, trabalhando com excertos da obra. A pesquisa buscou revelar, assim, como os dois autores se valeram de imagens marcantes do rio, para dizerem não só da realidade do curso dágua como, ainda, metaforizarem a inscrição e constituição de identidades quer do barranqueiro quer do quase barranqueiro, homem humano, nas palavras do narrador Riobaldo a seu interlocutor.
Este trabalho propõe analisar o conto “Duelo” presente na obra Sagarana (1946), escrita por João Guimarães Rosa. As análises aqui elucidadas compreenderam aspectos literários que vão da narrativa à questão da figura do homem sertanejo na visão rosiana, como é o caso do personagem Turíbio Todo que surpreende a esposa, dona Silivana, em adultério com o soldado Cassiano Gomes. Rosa sugere uma releitura acerca destes personagens sertanejos, dá-lhes voz e mérito num contexto literário em que os heróis são burgueses e ocupam altas esferas sociais. O sertão rosiano é considerado um lugar maravilhoso, onde homem e natureza ao ocuparem o mesmo ambiente se mesclam, dialogam entre si e evidenciam a paisagem natural e rústica do sertão brasileiro. O autor intenta evidenciar um novo sertão composto não somente por misérias, mas por gente simples, de valor e com cultura. A natureza é bela, harmônica e forte. Rosa cria enigmas ao longo da narrativa “Duelo”, e ocupa o leitor de modo a retirá-lo de sua zona de conforto, pois a história possui clímax em toda a sua sequência, início, meio e fim. Quanto ao referencial teórico, recorremos às bases teóricas do crítico argentino Jaime Alazraki, que sugere uma nova constituição de gênero intitulado por Neofantástico. O referido gênero possui três características: a visão, a intenção e o modus operandi, que foram aplicadas ao conto “Duelo”, numa abordagem crítico-reflexiva. Ademais, esta dissertação contempla recursos utilizados por Rosa como o uso de epígrafes, metáforas, neologismos e demais aspectos linguísticos inovadores para a literatura brasileira, durante o século XX e até os dias atuais.