Em Grande sertão: veredas, romance de João Guimarães Rosa, o narrador e protagonista Riobaldo confronta-se com as contradições do seu ser à medida que relata sua própria vida. Dentre as várias questões abordadas pela narrativa, a problemática do mal e a natureza do demoníaco são eixos temáticos por meio dos quais Riobaldo compõe o seu discurso, uma vez que, atormentado por ter instrumentalizado a violência no seu passado como jagunço e incerto sobre ter fiado ou não um pacto com o diabo, estas são questões que lhe são especialmente sensíveis. A partir da crítica de João Adolfo Hansen (2000) – que, ao debruçar-se sobre o plano expressivo do romance, constata que, na exuberância discursiva de Riobaldo, o sujeito da enunciação é eivado de indeterminações – e do suporte conceitual provido por Ernest Becker (2017) – cujas observações de cunho existencialista evidenciam certos mecanismos psíquicos de reação do sujeito frente à própria condição finita e miserável, como a transferência e a idealização de heroísmo –, o presente trabalho analisa a constituição e o processo de formação do protagonista de Grande sertão: veredas face ao demoníaco e ao mal que o estruturam intrinsecamente à revelia de sua vontade. Na tradição literária dos heróis fáusticos, Riobaldo, enfim, destaca-se em contraste, pois, ao invés de buscar os poderes demoníacos para a realização de vontades pessoais, suas grandes realizações estiveram sujeitas às vontades e aos projetos de outras personagens que atravessaram sua trajetória como interventores em seu desenvolvimento pessoal. Neste papel, são principalmente importantes a atuação de Diadorim e de Hermógenes, que, por sua vez, se assumem como manifestações simbólicas da interioridade atribulada e contraditória de Riobaldo.