O presente artigo tem por objetivo verificar se dois diferentes tradutores para o inglês aproximam-se ou distanciam-se da construção poética de “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa e como o fazem. Para tanto, cotejamos o conto e suas traduções: a primeira, feita por Barbara Shelby, publicada em 1968, e a segunda, por David Treece, com primeira edição em 2001, analisando as traduções como formas de leitura e interpretação de um tipo de texto que chamamos – de acordo com Massaud Moisés – de conto poético e desvendar, nas linhas e entrelinhas de seus textos, a proximidade ou não da construção poética. Tal comparação não tem por finalidade apontar qual dos dois textos é o que melhor corresponde ao texto de partida pois acreditamos que traduções consistem em textos outros, novas obras literárias, elaboradas em contextos específicos. Nosso entendimento é que a tradução dos contos de Guimarães Rosa deve ser elaborada nos moldes da tradução de poesia, uma vez que, se realizada em forma de prosa, o plano da expressão é totalmente perdido e o que resta é apenas o plano do conteúdo, ou seja, o que o autor considera como sendo apenas o pano de fundo para as verdades maiores que ele gostaria de expressar. O embasamento teórico do trabalho é composto por estudos sobre a obra rosiana de modo geral, sobre o conto escolhido para análise, em particular, e os estudos sobre tradução literária realizados por Antoine Berman, Mario Laranjeira, Paulo Henriques Britto e Ana Cristina César.
O objetivo principal do presente trabalho é analisar a relação entre Primeiras estórias, de Guimarães Rosa e sua tradução para o inglês intitulada The third bank of the river and other stories, de Barbara Shelby. Para tanto, realizamos as análises de quatro narrativas dessa obra - A terceira margem do rio, A menina de lá, A benfazeja e Partida do audaz navegante - e de suas respectivas traduções para o inglês, partindo do levantamento e estudo de três tipos de frases que, a nosso ver, consistem em uma das principais características do fazer poético rosiano e foram cuidadosamente trabalhadas no intuito de revestir a temática metafísico-religiosa tão cara à obra desse autor. Além dessas nossas sugestões, buscamos, na correspondência que Guimarães Rosa trocou com seus tradutores - Edoardo Bizzarri, Curt Meyer-Clason e Harriet de Onís - posições rosianas quanto ao fazer tradutório e literário que, compondo uma espécie de poética rosiana da tradução, também contribuíram para as análises efetivadas. Constatamos que esses componentes textuais - as frases - são estrategicamente inseridos em momentos-chave das narrativas e, se modificados ou omitidos na tradução, podem vir a prejudicar a construção dos sentidos mais profundos desses contos. Ademais, fizemos um estudo das relações entre autor, tradutor e editor a partir da correspondência que encontramos no Harry Ransom Center, localizado em Austin - Texas. A análise dessas cartas também permitiu que tivéssemos acesso a outros aspectos que podem ter influenciado o processo de tradução.