Pretende-se, neste artigo, refletir sobre o conceito de retradução no campo dos Estudos da Tradução e suas implicações na recepção crítica de determinado autor e obra em outro país. Segundo Robert Kahn (2010), a retradução é, sobretudo, uma atualização de um texto, que tem por objetivo central expor ao leitor da cultura de chegada uma nova interpretação da obra em questão, de modo que se apresenta naturalmente como um texto reativo. Nesse sentido, mais que a tradução, a retradução se aproxima da crítica literária, uma vez que pretende refazer um trabalho julgado insatisfatório, ou transitório, partindo de uma leitura crítica reparatória, de certa forma. Assim, para explorar tal conceito serão utilizados os trabalhos de críticos como Antoine Berman, Robert Kahn, Yves Gambier, entre outros, além de excertos retirados de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, bem como de suas traduções francesas, a fim de ilustrar as considerações aqui expostas.
Palavras-chave: Retradução. Grande Sertão: Veredas. João Guimarães Rosa.
A tradução das obras de Guimarães Rosa é discutida por diversos enfoques, destacando em especial a dificuldade de transpor a originalidade do seu trabalho com o português para outras línguas. Neste artigo, buscamos apresentar um histórico da tradução do autor na língua inglesa, considerando a importância do contexto histórico e político em que essas traduções ocorreram. Para isso, apresentamos um breve panorama das traduções e das circunstâncias históricas que envolveram o processo tradutório, com base em Barbosa (1994), Fitz (2005; 2020), Liporaci (2013) e Morinaka (2017). A partir desta análise, concluímos que não se pode descartar a imagem da literatura brasileira no exterior e as relações entre Brasil e Estados Unidos como fatores de influência na recepção e crítica das traduções de Rosa na cultura de chegada.
Palavras-chave: Guimarães Rosa. Literatura brasileira traduzida. Recepção da literatura brasileira no exterior.
Este artigo pretende analisar a recepção crítica de The Third Bank of the River, a tradução para a língua inglesa de Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, bem como observar a postura tradutória de Barbara Shelby frente aos desafios linguísticos peculiares a este livro. Para isto, aproximarei vários trechos do texto fonte e de sua respectiva tradução em tabelas, observando um importante recurso da obra rosiana: a criação de trocadilhos a partir da subversão de expressões idiomáticas de uso consagrado. Com base nos dados analisados, o objetivo deste exercício é compreender até que ponto a tradução de Primeiras Estórias está mais próxima dos ideais de domesticação ou de estrangeirização e em que medida o plano estético, centro da obra de Guimarães Rosa, consegue ser reproduzido no processo de tradução. Oportunamente utilizo também a coletânea The Jaguar and other stories, na qual David Treece reúne e traduz oito contos de Guimarães Rosa, entre eles seis de Primeiras Estórias.
Palavras-chave: Recepção, Tradução, Literatura.
Ao ler a correspondência de João Guimarães Rosa com seu tradutor francês, Jean-Jacques Villard, surpreendi-me ao descobrir que um de seus contos mais conhecidos, A terceira margem do rio, havia sido publicado na revista Planète, editada pelos pais do realismo fantástico Louis Pauwels e Jacques Bergier. A revista, criada na esteira da comoção provocada por O despertar dos mágicos, colocava-se, antes de tudo, contra o positivismo científico dominante na época e levava em conta os fenômenos paranormais, a alquimia, as capacidades inexploradas do cérebro humano. “Rien de ce qui est étrange ne nous est étranger ” era o lema da revista. Neste artigo, pretendemos, por um lado, contar a estória da publicação e da tradução desse conto e, por outro, pensar esse fenômeno como integrado ao modo como as obras de Guimarães Rosa foram recebidas na França dos anos 1960.
A crise ambiental é a crise de nosso tempo reconhece Enrique Leff, para quem a construção de um saber ambiental deve estar centrada no pensamento e no ser, no encontro de racionalidades e identidades, na abertura do saber à diversidade, no questionamento da historicidade da verdade, na utopia e na articulação das ciências com as diferentes significações culturais designadas à natureza. Diante desse propósito, a literatura se apresenta como instrumento para se pensar a complexidade ambiental. Nas fronteiras fluídas do ético e do estético, do espaço privado e do público, da arte e das ciências, do ficcional e do real, o texto literário evidencia a relação da sociedade com seu meio ambiente. É o que se constata na produção literária de João Guimarães Rosa, escritor mineiro, para o qual escrever sobre a natureza tem o sentido de missão, de vocação superior (virtude atribuída por Antonio Candido aos poetas). Sendo um autor que tinha consciência das grandes responsabilidades que um escritor assume, através da imaginação, do resgate da história, da pesquisa e da indagação, Rosa encontra na natureza do sertão a inspiração que vai permitir fluir em sua obra as leis da natureza e dos homens, o saber popular e o erudito, o mitopoético e o prático, o passado e o presente, a ciência e a arte. Uma complexidade que emerge como resposta da própria natureza frente à sua degradação. Dentro dessa perspectiva, propomos percorrer o itinerário de Guimarães Rosa em seu trabalho missionário de intérprete da natureza e de reler seu discurso à luz do pensamento de Leff sobre a complexidade ambiental. Nesse trajeto se delineiam os traços do poeta que apreende, compreende e internaliza as questões ambientais e se reconhece a sua obra, como precursora do discurso ambientalista e referência literária para a construção dos pilares da nova racionalidade ambiental.
O objetivo deste trabalho é apresentar um estudo do léxico de Guimarães Rosa, na obra Grande Sertão: Veredas e de sua tradução italiana, feita por Edoardo Bizzarri (1970). Foram selecionadas palavras da obra, que constam como não dicionarizadas no livro de Nilce SantAnna Martins (2001), O Léxico de Guimarães Rosa, para uma análise comparativa à tradução italiana. Mostramos nesta análise comparativa aproximações e distanciamentos entre original e tradução, marcando onde a proximidade com o português funcionou ou não e quando o sentido da tradução, seguindo as tendências deformadoras, de Antoine Berman (2007), em A tradução e a Letra ou o albergue do longínquo, fez com que o texto original sofresse alguma alteração na tradução. Como objetivo final a proposta é a produção de um dicionário bilíngue dos neologismos de Rosa, português/ italiano/ português.
A imagem do sertão na traduçãi alemã de Grande Sertão: Veredas é uma dissertaçãi de mestrado cujo objetivo é analisar e interpretar a configuração dos elementos constituintes de imagens do meio físico que emergem na tradução alemã da obra GrandeSertão: Veredas, realizada por Curt Meyer-Clason, em confronto com as configurações equivalentes no texto em língua portuguesa. Para realizar esta tarefa, procedemos a reflexões iniciais com a finalidade de mostrar em que medida a tradução e osestudos de imagens estão ligados. Em seguida, traçamos um perfil do tradutor de Grande Sertão: Veredas para a língua alemã, Curt Meyer-Clason. Em continuidade, procedemos ao levantamento e análise pontual dos elementos relevantes que compõem oespaço físico nos trechos selecionados para o estudo tanto em língua portuguesa quanto em língua alemã. Finalmente, procedemos à comparação. Concluímos que a multiplicidade de planos do espaço físico alcançada pelo texto em língua portuguesa éreduzido à existência sobretudo do plano físico no texto em língua alemã.
Este trabalho analisa perspectivas de linguagem e sentido que se esboçam em 59 cartas trocadas entre Guimarães Rosa e sua tradutora norte-americana, Harriet de Onís. Partindo de um ponto de vista pós-estruturalista, segundo o qual a linguagem é não instrumento de representação, mas antes uma multiplicidade de práticas históricas, voláteis, descontínuas e, portanto, refratárias a teorias gerais de ambição essencializante, busca-se reconhecer no espaço extra-teórico das cartas a fecundidade dos diferentes estilos de ver a linguagem que se oferecem nesse ponto particular do corpus roseano. Mostra-se a irreducibilidade dessas visões a qualquer filosofia geral, as marcadas diferenças de atitude perceptíveis entre Guimarães Rosa e Harriet de Onís no que se refere à linguagem (diferenças que enfatizam por contraste as posições roseanas), e, sobretudo, a forma particular como o Rosa das cartas promove performativamente o abalo de expectativas reducionistas e culturalmente arraigadas sobre a linguagem. Especial atenção é dada ao modo como em Rosa o paradoxo emerge como força criadora e não como embaraço, aporia: pela produtividade do paradoxo, abrem-se ângulos fecundos pelos quais se logra reconhecer, ou, nos termos de Rosa, pensar-sentir, diferentes aspectos da linguagem, notadamente a língua comum; a dinâmica vital que enlaça texto, autor, tradutor e leitor; a racionalidade e o mistério irredutível da língua; e o estatuto do poético no idioma.
Ao ler a correspondência de João Guimarães Rosa com seu tradutor francês, Jean-Jacques Villard, surpreendi-me ao descobrir que um de seus contos mais conhecidos, A terceira margem do rio, havia sido publicado na revista Planète, editada pelos pais do realismo fantástico Louis Pauwels e Jacques Bergier. A revista, criada na esteira da comoção provocada por O despertar dos mágicos, colocava-se, antes de tudo, contra o positivismo científico dominante na época e levava em conta os fenômenos paranormais, a alquimia, as capacidades inexploradas do cérebro humano. «Rien de ce qui est étrange ne nous est étranger» era o lema da revista. Nesta comunicação, gostaríamos de, por um lado, contar a estória da publicação e da tradução desse conto e, por outro, pensar esse fenômeno como integrado ao modo como as obras de Guimarães Rosa foram recebidas na França dos anos 1960.
Os anos que se seguiram à Segunda guerra mundial são marcados, nos Estados Unidos e na Europa, por um grande interesse pela América Latina, que se traduzia pela busca de conhecimento de sua cultura, principalmente no que se referia à música e à literatura. O caso da Knopf Incorporation é significativo desse movimento no universo norte-americano. Na pessoa de seus diretores, Alfred e Blanche Knopf, a editora sempre buscou novos talentos na Ásia e na Europa. Mas foi apenas com o advento da Segunda guerra mundial e com a “Política da boa vizinhança” instaurada pelo governo Roosevelt, que eles se voltam para a América Latina e passam a publicar, entre outros, Jorge Amado, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa. No universo francês, a Gallimard cria em 1951, sob a direção de Roger Caillois, a emblemática coleção “La Croix du Sud”. Especializada na literatura latino-americana, inaugura-se com Ficções de Jorge Luis Borges e publica entre outros, nos anos subsequentes, Julio Cortázar, Alejo Carpenti
No final do século XVIII, com a consciência do relativismo cultural, a teoria da tradução começa a tomar rumos diferentes dos da tradição francesa que pensava a tradução como belle infidèle. Caminhando ao lado de uma filosofia da linguagem que vê o mundo como um texto a ser decifrado, uma nova concepção de tradução desenvolve-se. Assim, além de traduzir de uma língua para outra, o próprio mundo deveria ser traduzido e a tradução passa a ter o sentido de conhecimento. Márcio Seligmann-Silva sugere que ao invés de pensarmos no tradutor como “traidor”, devemos tomá-lo por “introdutor”, um leitor privilegiado que quer transmitir a sua Erfahrung (experiência) com o texto. Neste artigo, pretende-se discorrer sobre a concepção de tradução como transmissão de experiência. Para tanto, tecemos aproximações entre a tarefa do tradutor e a do narrador, no sentido de que Walter Benjamin desenvolve em suas teses. Em um primeiro momento, tomamos como suporte a leitura da novela "Cara de Bronze", de João Guimarães Rosa, uma vez que identificamos na trajetória do personagem Grivo um emblema do narrador e do tradutor benjaminiano. Em seguida, ampliamos a discussão em torno da tradução e convocamos para dialogar com a filosofia de Benjamin, autores como Haroldo de Campos e Vilém Flusser.