Os anos que se seguiram à Segunda guerra mundial são marcados, nos Estados Unidos e na Europa, por um grande interesse pela América Latina, que se traduzia pela busca de conhecimento de sua cultura, principalmente no que se referia à música e à literatura. O caso da Knopf Incorporation é significativo desse movimento no universo norte-americano. Na pessoa de seus diretores, Alfred e Blanche Knopf, a editora sempre buscou novos talentos na Ásia e na Europa. Mas foi apenas com o advento da Segunda guerra mundial e com a “Política da boa vizinhança” instaurada pelo governo Roosevelt, que eles se voltam para a América Latina e passam a publicar, entre outros, Jorge Amado, Gilberto Freyre e Guimarães Rosa. No universo francês, a Gallimard cria em 1951, sob a direção de Roger Caillois, a emblemática coleção “La Croix du Sud”. Especializada na literatura latino-americana, inaugura-se com Ficções de Jorge Luis Borges e publica entre outros, nos anos subsequentes, Julio Cortázar, Alejo Carpenti
Esta comunicação pretende examinar o conto “Recado do Morro” de Guimarães Rosa (1908-1967) à luz dos estudos culturais bem como referenciando-se na filosofia de Vilém Flusser (1920-1991), em suas ricas contribuições a esse campo de análise. É sabido que tal filósofo conheceu pessoalmente Guimarães Rosa e, embora grande parte da obra de Rosa seja anterior, o pensamento flusseriano pode a ter influenciado. Flusser defendeu que “o estrangeiro, categorizado como tal, se opõe diretamente à repulsa daqueles que se encontram acomodados, à repulsa dos monoglotas e dos experts que desenham fronteiras entre os territórios do conhecimento e da memória” (Cf. Finger, 2008). Para ele, “não há fronteira, não há dois fenômenos no mundo que possam ser divididos por uma fronteira, que seria sempre uma separação artificial.” (Cf. Finger, 2008). A partir disso, cabe aqui analisar a personagem Alquiste ou Olquiste, do conto “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, considerando a problematização do estrangei
A comunicação pretende estabelecer como questão que sertão é uma espécie linguística performativa orientada pelo estalar da língua de Riobaldo. Tendo por guia a escuta do seguinte trecho da obra Grande Sertão: Veredas, escrita por João Guimarães Rosa, o qual diz: "Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo" (ROSA: 1994, 245), busca-se compreender como a palavra pegante sertão, enquanto signo linguístico, ganha corpo e chão – entendendo-se aqui a extensão de suas veredas -, ao passo que o contar de Riobaldo vai atravessando, sulcando qualquer escuta que se oferece a pôr-se diante de si e a testemunhar o que o ele afirma conhecer. Indo além, entende-se que sertão é mais do que um som que reverbera na voz de Riobaldo e uma palavra prenhe de significados que se organizam no interior de sua narração, é a instalação de uma imagem que dá aparência às coisas narradas e à Riobaldo, instrumento d
O artigo lança um olhar sobre textos primorosos dos escritores Guimarães Rosa e Miguel Torga, dois dos maiores autores em Língua Portuguesa: os contos “A benfazeja” e “A Maria Lionça”, respectivamente. Nos dois textos, de uma sensibilidade e beleza peculiares, foram identificados os elementos que corroboraram para a construção de personagens femininas tão ricas e complexas, donas de uma força e generosidade que chegam a ser sobre humanas; a íntima relação que estabelecem com a paisagem, o local onde vivem – respectivamente o sertão brasileiro e a região de Trás-os-Montes, em Portugal –; e como os autores conseguiram tornar as duas narrativas, embora arraigadas aos costumes e experiências de suas terras natais, impregnadas de um profundo sentido universal.
No âmbito do universo fáustico que transita do Fausto, de Goethe, a Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, o propósito desta comunicação é abordar uma relação historicamente estabelecida entre demonismo e homossexualidade. Destaco algumas obras do cânone mundial em que o tema aparece, desde a Divina Comédia, de Dante, a Orlando, de Virgínia Woolf, para então adentrar na complexidade da relação de afeto entre Riobaldo e Diadorim, abordando alguns episódios do romance de Rosa. Para tanto, conto com o suporte teórico de Mikhail Bakhtin e de Michel Foucault, entre outros. Como ponto de partida, utilizo um aspecto da cena “Inumação”, que antecede e prepara o desfecho da tragédia de Goethe, em que o diabo enamora-se dos mancebos que conduzem a alma de Fausto à salvação. Tal deslize provocado pelo desejo homoerótico contribui para que Mefisto perca definitivamente a aposta com o Altíssimo. Conforme Haroldo de Campos, esse demônio vencido pela luxúria alinha-se à proposição desenvolvida po
A recepção da épica na obra Grande Sertão: Veredas é tema recorrente na crítica
rosiana. Contudo, este trabalho tem como objetivo apresentar a influência das obras de Homero
na elaboração das digressões no romance, embasadas nas anotações de Guimarães Rosa sobre a
Ilíada e Odisseia no documento E17, seção Ilíada, no Arquivo Guimarães Rosa (IEB-USP), o
documento apresenta notas breves do autor e registros das principais características da narrativa
homérica. No entanto, ainda que a análise recaia sobre um romance moderno, pretendo abordar
a digressão em sua definição clássica, avaliando alguns princípios estéticos e técnicos descritos
nas poéticas e tratados de retórica clássica, bem como interpretações das digressões em Homero,
a partir dos argumentos de Malcolm Heath e Wayne B. Ingalls. Ainda, a fim de investigar a
influência da tradição oral na composição das digressões retomo a Fortuna crítica rosiana.
O artigo tem como foco a análise das funções estratégicas de alguns rud
Se considerarmos, como Walter Benjamin, que para o tradutor a primazia é dada ao original, podemos afirmar que todo original é atemporal, seja ele datado do século XVI ou XXI, e a razão é que a “tradutibilidade” do texto enquanto original é sempre um "après-coup". Ou, como diria Borges: “A verdade é que cada escritor cria os seus precursores. A sua obra modifica a nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro.” Agamben, por sua vez, dirá que o contemporâneo é inatual, anacrônico. Não só porque o tradutor se transforma, nunca é o mesmo ontem hoje e amanhã, mas porque o texto só poderá ser considerado contemporâneo após a passagem do tempo enquanto precursor, enquanto extemporâneo. Nesse sentido, se considerarmos, por exemplo, Meu Tio o Iauaretê de João Guimarães Rosa como um texto precursor, inédito e original, seria interessante examinarmos as propostas francesas de tradução que ele induziu para apreciar em que medida o texto é um original e em que medida suas traduções man
Propõe-se neste estudo que a imagem do herói simbolizada na obra Dom Quixote
(1605/1615) — “verdadeiro patrimônio da humanidade” (VIEIRA, 2002, p. 9) — de Cervantes
(1547-1616), tenha exercido influência sobre a memória da literatura brasileira, incidindo,
sobretudo, na obra de Guimarães Rosa (1908-1967). A grande criação do “príncipe dos
engenhos”, o Cavaleiro da Triste Figura, tal qual um mito do idealismo moderno (WATT, 1997),
continua a influenciar nas mais diversas esferas e regiões, por tratar-se de “imagem eterna”
(MIELIETINSKI, 1987, p. 119) como expressão máxima do idealismo presente no espírito
humano. Guimarães Rosa entrevê grandes possibilidades de leitura acessadas pela obra que
nos propõe “realidade superior e dimensões para mágicos novos sistemas de pensamento”
(ROSA, 1967, p. 3), a partir da risada e meia provocada pelo gênio cervantino. Interessa-nos
revelar como os ricos caminhos de significação abertos pelo cavaleiro manchengo do século
XVII resvalam na ob
ste trabalho tem como ideia central um dos mais importantes fenômenos literários que, em homologia com outras literaturas latino-americanas, foram produzidos no Brasil no século XX: a “síntese inesperada” entre dois modos de produção praticamente irredutíveis entre si: de um lado, diretamente vinculado às vanguardas européias e seguindo uma direção universalista, um “modo” relacionado à pura formulação vanguardista, afinado com a ruptura radical com o passado e a projeção virtual do futuro; de outro lado, o regionalismo realista, conservador, nacionalista e resistente às inovações a traduzir um outro “modo”. A “síntese” ou melhor dizendo, o tensionamento entre tais modos antes apartados viria a resultar numa troca criativa a que o crítico uruguaio Ángel Rama designou “transregionalismo” ou “regionalismo transnacional” (apud Antonio Candido). Reconhecido como «um sistema literário comum», tal tendência pode ser reconhecida em dimensão continental, da qual o Brasil seria parte integrante
O objetivo desta comunicação é analisar o romance A Confissão da Leoa (2012), de Mia Couto e o conto “Meu tio o Iauaretê” (1961), de Guimarães Rosa. O estudo será conduzido sob uma perspectiva comparatista com o intuito de estabelecer aproximações e divergências entre as obras escolhidas, visto que o romance de Couto dialoga diretamente com o conto rosiano. Minha análise se concentrará na maneira como ambas as obras trabalham a questão da animalidade inerente ao ser-humano, assim como a linha tênue entre o que é humano e o que é animal. Além disso, relacionarei o tema da animalidade com a violência que apresentam os textos de Rosa e Couto. O ensaio de Haroldo de Campos, “A linguagem do iauaretê”, evidencia a presença de um léxico de origem indígena e africana que conversa e interage com o português brasileiro. Este cenário remete a um Brasil colonial que se estabelece em meio ao multilinguismo que sabemos ter feito parte da formação da identidade brasileira. Por sua vez, A Confissão da
Esta comunicação - intitulada De sertões, rios e orientes – des(re)territorializações rizomáticas da alteridade latino-americana em Guimarães Rosa, José Maria Arguedas e Milton Hatoum - debruça-se na reflexão sobre a figuração da alteridade latino-americana nos romances Grande sertão: veredas, Os rios profundos e Relato de um certo oriente. Essas narrativas serão examinadas sob os auspícios críticos de Antonio Candido, Tania Franco Carvalhal, Silviano Santiago, Cornejo Polar, Benjamim Abdala Júnior, Angel Rama, Walter Mignolo, Marli Fantini, Luis Alberto Brandão, Myrian Ávila, Zilá Bernd, Maria Zilda Ferreira Cury, Eduardo Coutinho, Édouard Glissant, Homi Bhabha, Gilles Deleuze e Felix Guattari, Edward Said, Mary Louise Pratt e Paul Gilroy. Com o auxílio dessa sintaxe crítica, espera-se: 1) mapear os fluxos comunitários e as paisagens literárias; 2) cartografar os lugares do narrar dos romances, analisando como os narradores mediadores conectam geografias planetárias; 3) topografar as