Este artigo busca reconhecer alguns pontos de tangência entre os romances Vidas secas, de Graciliano Ramos, As cidades invisíveis, de Italo Calvino, e Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, sobretudo no que respeita às relações modalizantes entre literatura e meio ambiente. Em meio à diversidade temática das obras indicadas, subjaz o tema da consciência ambiental, que, nas últimas décadas, vem recebendo a crescente adesão não apenas de ambientalistas, mas também de intelectuais, políticos, escritores. O foco na degradação ambiental, no alerta implícito acerca das precárias condições de vida futura em nosso planeta revela um dos nucleares e contundentes problemas a desafiar a agenda contemporânea. Nesse sentido, revela-se paradigmático o “lugar-sertão” rosiano, que, ao difundir seu território, seus valores e denúncias, patenteia uma concepção ambiental inovadora e reticular, em estreito diálogo com as atuais pesquisas interdisciplinares sobre o tema, as quais deveriam doravante guardar, em seu horizonte de expectativa, os paradigmas, as perspectivas e os equacionamentos que alicerçam as artes em geral e a literatura em particular.
Este trabalho pretende demonstrar que, na novela "Uma estória de amor", de João Guimarães Rosa, a geografia simbólica se desloca, provocando o esboroamento das noções holísticas de territoriedade. Ao encenar, na novela, uma travessia poética, João Rosa insere a paisagem cerrada do sertão no seu modelo de universo: um sertão multicultural, seu império suevo-latino. Na constelaridade vertiginosa da narrativa/festa/viagem, as estórias proliferam e se intercambiam umas às outras, nada deixando fixar. A comunidade imaginada do autor -a partir da negociação das diferenças -interrompe o continuum da cultura, inscreve-se numa cartografia imaginária, para inaugurar
um novo território.
EMBORA EDITADO EM 1956, CERCA DE VINTE ANOS DEPOIS DE VIDAS SECAS, GRANDE SERTÃO: VEREDAS GUARDA COM TAL ROMANCE MUITAS AFINIDADES, SOBRETUDO NO ENFOQUE REGIONALISTA. TODAVIA, A DESPEITO DE O REGIONALISMO DE ROSA JÁ DESLIZAR PARA A TENSÃO ENTRE O REGIONAL E O UNIVERSAL, ELE NÃO DEIXA TAMBÉM DE RETRATAR A GEOPOLÍTICA DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E HUMANA NA REGIÃO DO CERRADO, TEMA CABALMENTE EXPLORADO NO PRESENTE SÉCULO, O QUE TORNA GRANDE SERTÃO: VEREDAS, COMO OUTRAS OBRAS-PRIMAS, UM ROMANCE ATUAL NO SÉCULO XXI.
“As margens da alegria”, conto de abertura do livro Primeiras estórias encena, sob o signo da modernidade, a construção de uma “grande cidade” cujas bases utópicas serão examinadas em contraponto ao modelo de “cidades letradas”, emblematizado por Brasília, a mais contraditória encarnação dos sonhos de utopia política da modernidade brasileira.
O cenário preferencial do moçambicano Mia Couto, uma das mais
relevantes vozes da literatura africana de Língua Portuguesa, são as guerras coloniais e
seus traumáticos desdobramentos. Ao mesclar ficção e documentário, as narrativas de
Couto traçam um retrato poético, político e alegórico da Moçambique contemporânea, de
cujo contexto despontam inventários de ruínas, fragmentos, modulações melancólicas de
vozes a reverberar rastros de tradições, ritos e mitos de seu país.
A crescente recepção à obra de Mia Couto, no amplo universo da lusofonia, bem
como no dos Estudos Pós-coloniais, vê-se às voltas com indagações cabais sobre o
trauma da guerra, suas vítimas e a perda de tradições, sob o impacto da globalização: O
que resta atualmente de cultura e tradições orais dilaceradas por guerras e genocídios?
Como elas interagem com a globalização cultural e econômica em rápida circulação em
Moçambique? E o saldo de mortos na guerra de libertação de Moçambique e um outro
tanto durante
ste trabalho tem como ideia central um dos mais importantes fenômenos literários que, em homologia com outras literaturas latino-americanas, foram produzidos no Brasil no século XX: a “síntese inesperada” entre dois modos de produção praticamente irredutíveis entre si: de um lado, diretamente vinculado às vanguardas européias e seguindo uma direção universalista, um “modo” relacionado à pura formulação vanguardista, afinado com a ruptura radical com o passado e a projeção virtual do futuro; de outro lado, o regionalismo realista, conservador, nacionalista e resistente às inovações a traduzir um outro “modo”. A “síntese” ou melhor dizendo, o tensionamento entre tais modos antes apartados viria a resultar numa troca criativa a que o crítico uruguaio Ángel Rama designou “transregionalismo” ou “regionalismo transnacional” (apud Antonio Candido). Reconhecido como «um sistema literário comum», tal tendência pode ser reconhecida em dimensão continental, da qual o Brasil seria parte integrante
Com base na literatura de Mia Couto e na convergência estrutural e linguística deste com Guimarães Rosa, pretendemos identificar correspondências simbólicas e alegóricas entre o universo ficcional e a história da guerra colonial em Moçambique, bem como seus desdobramentos pós-coloniais. Ao mesclar ficção e documentário, tal literatura traça um retrato poético e alegórico da Moçambique contemporânea, de cujo contexto despontam inventários de fragmentos, modulações melancólicas de vozes a reverberar rastros de tradições, ritos e mitos de um país em ruínas. Por sua feita, Guimarães Rosa, escritor brasileiro, implode e estilhaça, kafkianamente, os hábitos linguísticos cristalizados na Língua Portuguesa, fazendo cintilar — nos interstícios minados da língua formal — uma outra língua, "sua língua brasileira", instrumento mediante o qual ele postula o direito de renovar a língua, para renovar a literatura e a vida: "Minha língua é a arma com a qual defendo a dignidade do homem (...). Somente