Este trabalho conduz a uma visada literária e cultural, em que os olhares se voltam para as obras Pedro Páramo, de Rulfo e "Sarapalha", de G. Rosa, buscando compreender valor de duas produções distanciadas pelo espaço de uma realidade geográfica mas, entretanto, próximas por interações e diálogos.
Depositária de uma cultura peculiar, em que a linguagem transgressiva (mescla de traços arcaicos e modernos) reconstrói e preserva uma parte do Brasil, a rural, a produção de Guimarães Rosa estabelece um a constante tensão entre a permanência e a mudança, a lembrança e o esquecimento. Considerando, entre os suportes teóricos, aspectos psicanalíticos, o intento é revisitar episódios que capturam e transfiguram, literariamente, faces do jaguncismo (vigoroso ou 'decadente') em "A hora e vez de Augusto Matraga" (Sagarana), Grande sertão: veredas e Primeiras estórias, graças a processos mnêmicos cuja presença se insinu tanto no texto, quanto fora dele, ou seja, as anotações que antecedem a obra e sua recepção posterior, tal como atestam as releituras de Antunes Filho (teatro) e de Pedro Bial (cinema).
O levantamento das viagens, leituras e escritos de João Guimarães Rosa produzidos durante o processo de elaboração de Corpo de baile e Grande Sertão: Veredas constitui o ponto de partida desta tese. Através da análise conjunta dos documentos inéditos - diário, cadernetas de viagem, cadernos de estudos e textos inacabados - e publicações em periódicos que datam do período enfocado, identificando seus principais interlocutores e as relações que estabelecem entre si e com aqueles livros, demonstro que as cadernetas da viagem pelo sertão de Minas (1952) ocupam uma posição chave, porque articulam e atualizam suas reflexões sobre viagem e narrativa, os "povos boieiros" e a matéria épica da tradição oral. Veremos que tanto no processo de escrita das cadernetas quanto nos livros de 56, sobretudo no romance, rosa dialoga com os poemas homéricos (sobre a narrativa oral e o pensamento analógico), com Euclides da Cunha (sobre a cultura boieira e a visão de mundo dos vaqueiros), e com os viajantes naturalistas que descrevem o sertão do Brasil (sobre a viagem como procedimento narrativo e a descrição da natureza). Nesse contexto , proponho uma releitura de Ave, palavra - livro póstumo que reúne escritos de 1947 - 54, e defendo a hipótese de que os livros de 56 e a novela "Meu tio o Iauaretê" foram concebidos no bojo de um mesmo projeto de escrita que explora o pensamento analógico , a ambigüidade e o deslocamento de perspectiva para expressar aquilo que não tem voz nem contornos definidos, como o Sertão, Diadorim, a onça e a criança. Partindo de uma sólida base documental, é através de um intenso trabalho de linguagem que Rosa engendra um sertão pela via da metamorfose.
Esta comunicação - intitulada De sertões, rios e orientes – des(re)territorializações rizomáticas da alteridade latino-americana em Guimarães Rosa, José Maria Arguedas e Milton Hatoum - debruça-se na reflexão sobre a figuração da alteridade latino-americana nos romances Grande sertão: veredas, Os rios profundos e Relato de um certo oriente. Essas narrativas serão examinadas sob os auspícios críticos de Antonio Candido, Tania Franco Carvalhal, Silviano Santiago, Cornejo Polar, Benjamim Abdala Júnior, Angel Rama, Walter Mignolo, Marli Fantini, Luis Alberto Brandão, Myrian Ávila, Zilá Bernd, Maria Zilda Ferreira Cury, Eduardo Coutinho, Édouard Glissant, Homi Bhabha, Gilles Deleuze e Felix Guattari, Edward Said, Mary Louise Pratt e Paul Gilroy. Com o auxílio dessa sintaxe crítica, espera-se: 1) mapear os fluxos comunitários e as paisagens literárias; 2) cartografar os lugares do narrar dos romances, analisando como os narradores mediadores conectam geografias planetárias; 3) topografar as