Este estudo parte de uma leitura do conceito de anedota de Guimarães Rosa, bem como de seu emprego poético e hermenêutico. A análise indica que o discurso rosiano não compartilha da compostura usual das teorias científicas e filosóficas do cômico. O compromisso do autor com suas ideias é antes estético e translógico que lógico: jogada crucial cuja mira é o salto do cômico ao suprassenso.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa incorpora o cômico de modo estranho, desvinculando-o de seu efeito de causar o riso. Todo o primeiro prefácio, a porta de entrada do livro, é dedicado ao debate acerca da comicidade e seus mecanismos, anunciando procedimentos que identificamos nas estórias, na construção de frases e vocábulos, na arquitetura da própria obra.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a "novos sistemas de pensamento". O cômico, infiltrado em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao incorporar "outras lógicas", normalmente banidas do pensamento sério, como no caso do louco, da criança, do criminoso etc. A questão da comi- cidade ganha extraordinária complexidade na obra, confundindo-se muitas vezes com outros procedimentos (o estranhamento, a ironia, o grotesco, por exemplo).
Este trabalho analisa trechos da obra Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), buscando a interface entre a ficção rosiana e a perspectiva da comicidade. Para tanto, partiremos de um instrumental teórico sobre o cômico e o risível, a saber, Freud (1977) e Jolles (1976), além das discussões críticas de Galvão (1986), Nunes (2013), Utéza (1994) e Hansen (2000). As recriações linguísticas de Rosa, se interpretadas segundo a teoria psicanalítica de Freud (1977), podem ser vistas como algo de que se derivam prazer em momentos de tensão, suscitando um alívio, o que permite não só que leitor prossiga na leitura, como também que a narrativa, porque densa devido às tensões das batalhas dos jagunços, flua com momentos de distensão. No entanto, a sua função vai além disso: a relativização de valores e de comportamentos talvez seja o mais recorrente. Nesse caso, portanto, o cômico decorre de uma inversão da lógica cultural e contribui para a superação de preocupações metafísicas pelo riso.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a "novos sistemas de pensamento". A natureza e os mecanismos do cômico são discutidos no primeiro prefácio e valorizados por sua capacidade de desfazer estereótipos, abrindo espaço para outras possibilidades, para o inédito (sentido primordial de anedota), por exemplo. A própria obra incorpora formas e estruturas do cômico: seus quatro prefácios retomam em nova configuração elementos da comédia clássica, principalmente a parábase; assinalamos várias estórias organizadas segundo as formas cômicas debatidas no prefácio; até mesmo na composição de frases ou vocábulos percebe-se princípios próprios do cômico. A perspectiva cômica, infiltrada em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao incorporar "outras lógicas", normalmente banidas do pensamento sério, como no caso do louco, da criança, do criminoso, do palhaço, do velho esclerosado etc. Alguns procedimentos cômicos discutidos - seria o caso do "processo de niilificação" e da "definição por extração" - e também observados em estórias seriam modos de se acessar o "nada", tema amplamente recorrente e que faz parte inclusive do título: Tutaméia é "ninharia", "quase nada". A comicidade, ainda, contribuiria para ampliar o próprio idioma; ao desfazer clichês possibilita apreender a realidade não atingida pelo senso comum ou por formas convencionais. Note-se que Tutaméia não é uma obra cômica, mas foi composta a partir da perspectiva cômica, o que parece corresponder a uma vertente do pensamento moderno que valoriza o cômico por permitir a liberação do censurado, por dar acesso a tudo o que é excluído como "não oficial", "não sério", e que no entanto participa da totalidade (Dasein). A questão da comicidade ganha extraordinária complexidade na obra, confundindo-se muitas vezes com outros procedimentos (o estranhamento, a ironia, o grotesco) e sugerindo a dissolução das formas: há elementos trágicos, épicos, míticos, dramáticos, fantásticos, cinematográficos; além do minimalismo das estórias, do desdobramento cubista de perspectivas, da sondagem subjetiva etc. Enfim, o manejo do cômico em Tutaméia culmina num sistema de pluralidade e simultaneidade de perspectivas.
A tese de doutoramento ora apresentada promove uma leitura de parte da obra de cinco autores regionalistas brasileiros, em textos publicados entre o princípio do século XX e meados da década de 60 do mesmo século, a fim de observar os significados do humor, pautado na relação entre cômico e trágico, em diferentes momentos do regionalismo literário no Brasil. A escolha do corpus da pesquisa, em que constam Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto, Urupês, de Monteiro Lobato, Fogo morto, de José Lins do Rego, Sagarana, de João Guimarães Rosa e O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, procurou contemplar diferentes modelos de composição da prosa literária de feição regionalista, o que possibilitou a reflexão em torno da natureza de diferentes realizações do regionalismo no século XX. A análise das obras, sob o prisma do humor, permitiu que se verificasse a articulação entre a natureza reflexiva e as particularidades da forma humorística e o processo de desenvolvimento, consolidação e transfiguração da tonalidade crítica de que se revestiu o texto regionalista no Brasil. A leitura das obras propostas permite constatar que, por meio de diferentes estruturas narrativas, o humor articula-se à inserção de temporalidades que se agregam à espacialidade do texto, promovendo um aprofundamento da análise do sujeito que habita um único espaço, mas transita entre diferentes tempos.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a “novos sistemas de pensamento”. A natureza e os mecanismos do cômico são discutidos no primeiro prefácio e valorizados por sua capacidade de desfazer estereótipos, abrindo espaço para outras possibilidades, tanto para o inédito (sentido primordial de anedota), quanto para o que é censurado, recalcado. A própria obra incorpora formas e estruturas do cômico: seus quatro prefácios retomam em nova chave elementos da comédia clássica, principalmente a parábase; assinalamos várias estórias estruturadas segundo as formas cômicas debatidas no prefácio; até mesmo na composição de frases ou vocábulos percebe-se princípios próprios do cômico. A perspectiva cômica, infiltrada em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao i
Análise do processo social no romance As Filhas do Arco-Íris (1980), destacando-se a valorização do cômico através das relações entre as personagens: o cego, o bêbado e o doido. Observa-se que o cômico permite a abordagem do desvio dos moradores da comunidade de Gurinhatá, seja por seus vícios, condições sociais ou dificuldades de se relacionar com os demais habitantes. Na vila, o comportamento das pessoas é de distanciamento diante dos excluídos, cujo resultado é certa rejeição às condições de vida dessas personalidades em virtude da ausência de valores físicos, sociais e psicológicos. Em virtude dessa ausência, os moradores não admitem que eles abalem a hierarquia social das autoridades, entre eles: coronel Tidudô, padre Santo, Pai Estêvão, sendo que com o último, as atitudes dos três têm uma relação mais agravante. É assim que eles se tornam três elementos propensos a criar suas fantasias e dar sentido à realidade nas relações sociais. Cada um apresenta, conforme o narrador, experiências com aventuras, viagens e brincadeiras. O riso se move por toda parte, sugerindo a liberação do censurado, permitindo transcender os limites da razão. Ao longo da análise, procura-se também estabelecer considerações com personagens excluídos de Primeiras Estórias (1962), de Guimarães Rosa, texto fundamental da moderna narrativa brasileira. A pesquisa tem como suporte teórico os seguintes autores: Antonio Candido, Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin, Henri Bergson, Concetta D’Angeli, Guido Paduano, Diderot e outros.