O presente artigo analisa o conto "A menina de lá", do livro Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, no rastro da experiência da ordem do aberto, do indefinível e inominável que o locativo "lá" configura na narrativa. O conceito de "desrazão", conforme tomado de Foucault e Blanchot por Peter Pál Pelbart, norteia o percurso de análise, no qual a imagem da criança protagonista, construída no signo da ausência, silêncio e imobilidade, tensiona as ambiguidades de carência e plenitude, loucura e santidade, normalidade e anormalidade, silêncio e Verbo Criador, desdobrando a imagem de infans em sua anterioridade em relação à fala/simbolização, à aculturação, ao utilitarismo, em um "lugar de existência" cujas dimensões podem ser psíquicas ou metafísicas. Na trama do enredo e construção da personagem se deslinda uma rede de sentidos e imagens que obrigam o leitor a habitar, também, o vazio, o aberto, a anterioridade... o lá.
O presente artigo pretende discutir três contos de Guimarães Rosa, do livro Primeiras Estórias, em torno da temática da desrazão e suas diferenciações com a loucura. Parte-se de algumas considerações psicanalíticas sobre as relações entre arte e patologia, do ponto de vista da criação, para em seguida focalizar nos contos o modo como as personagens expressam um território não abarcável pela ciência positiva, a que Foucault denominou "Pensamento do Fora". Entre a sanidade domesticada e a loucura, Rosa dá voz à desrazão em personagens de um sertão desconhecido.