O processo de tradução intersemiótica se revela não somente como uma possibilidade de interação e diálogo eterno entre as artes mas também como uma ampliação de signos, imagens e sentidos. A literatura enquanto arte é campo fértil para esse processo de transcriação. Nesse sentido, o nosso artigo objetiva apresentar como ocorre a consubstanciação da literatura em cinema, da obra Campo Geral ou Miguilim, de Guimarães Rosa em Mutum, filme de Sandra Kogut, entendendo tal processo como fundamental para a revelação do olhar prismado do protagonista nesses dois sistemas significantes. Para tanto, utlizamos as teorias de Plaza, Pierce, Jakobson, entre outros pesquisadores da área.
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas
Este trabalho pretende analisar três aspectos temáticos da narrativa rosiana “Campo Geral”, a saber, o olhar, enquanto representação da inadequação de Miguilim perante a vida; as estórias, como símbolo de sua sensibilidade poética; e a religiosidade, no que tange ao desenvolvimento de sua fé ao longo do texto. Com o intuito de observarmos como o tradutor Edoardo Bizzarri os reescreveu na língua italiana, nosso objetivo é o de refletir sobre o texto em italiano, partindo das seguintes questões: como se deram as escolhas do tradutor com relação aos vocábulos cujo significado é desconhecido ou diversificado para o leitor italiano? Suas soluções tradutórias seriam mais explicativas ou criativas? Para tanto, buscamos entender o ato de traduzir como sendo uma analogia da terceira margem, ou seja, como uma ação que perpassa tanto a língua de partida (margem de cá), quanto à de chegada (margem de lá), fazendo da tradução uma linguagem própria, que se constrói em meio as diferenças entre as línguas. Dessa forma, para embasarmos nossa proposta, partimos de alguns aportes teóricos propostos por Walter Benjamin (2001), no que diz respeito à questão da traduzibilidade de cada texto, e de Antoine Berman (2007), ao enxergar a tradução como sendo experiência nela mesma, ou seja, que nasce da vivencia de quem a está conduzindo. Nesse sentido, nossa metodologia configurou-se dentro do tema proposto, levantando as principais características do texto original e analisando-as em concomitância com o texto traduzido, além disso, recorremos ao uso das ferramentas computacionais do programa WordSmith Tools, propostas pela Linguística de Corpus, com as quais pudemos ter acesso às palavras-chaves relacionadas aos temas em questão, bem como às linhas de concordâncias e número de recorrência dessas palavras no texto. Sabendo que os livros de Guimarães Rosa são repletos de imagens locais e de construções linguísticas apuradas, observamos que as opções tradutórias de Bizzarri procuraram manter a especificidade da narrativa rosiana, mas com algumas adaptações, aproximações, ou mesmo explicações dos vocábulos em que as diferenças linguístico/culturais prevalecem.
A novela “Campo geral”, publicada originalmente em Corpo de baile (1956), de João Guimarães Rosa, narra a estória de um menino míope e absorto em seu mundo de pequenos animais, formigas, besouros e aves, companheiros de sua infância, tendo como cenário o sertão dos “Gerais”. Os dramas familiares conduzem a vida e o crescimento do personagem principal Miguilim que encontra na contação de estórias um meio que lhe será muito útil para lidar com a sua realidade; assim, a narrativa “Campo geral” é entremeada pelas descrições, memória, percepção, imaginação e pelo vivido do homem sertanejo. É nesse bioma do cerrado que se concentra o “sertão dos Gerais” ou os “Gerais” ou “Campos gerais”, com os chapadões, de grandes extensões de terra cercados por veredas. Território de paisagens naturais e culturais, povoado por pessoas simples que habitam esse lugar rústico tomado pela força da ação, da relação homem e natureza. Para tanto, escolhemos como marco teórico a Estética da Recepção que nos mostra ser imprescindível a participação do leitor em qualquer texto, porque, desde o momento que lança seu olhar sobre a obra, invoca uma consciência crítica. O sujeito receptor e o objeto estético exercem papéis específicos para o sentido da obra, não ligado apenas à significação nomeada ou mesmo sugerida pelo autor, nem exclusivamente à atribuição de sentido por parte do leitor no ato de leitura. Dessa forma, destacamos o trabalho de Claudia Campos Soares (2002) sob uma perspectiva sociológica da novela “Campo geral”, pelo ponto de vista de um menino, que projeta no leitor uma visão cartográfica simbólica de um espaço, com traços de cultura, de história e de valores do cotidiano vivenciados pelo homem sertanejo.