Propõe-se, nesta comunicação, uma leitura da crônica "O mau humor de Wotan" (29.02.1948 — Correio da Manhã) do escritor brasileiro João Guimarães Rosa, tendo por base o livro póstumo Ave, palavra de 1970. Por não ser muito conhecido, segue-se a amostra das primeiras impressões, que se obteve desse texto, considerando contexto histórico relacionado à Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de apresentá-lo ao público acadêmico. Fundamenta-se este trabalho nos estudos formulados por Hans
Robert Jauss (1979), que focaliza a primazia da hermenêutica centrada no leitor, aclarando, de um lado, o processo atual que concretiza o efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstrói o processo histórico pelo qual o texto é recebido e interpretado por leitores de tempos diversos.
Esta comunicação tem como objetivo pensar a experiência tradutória de Ángel Crespo, tradutor de Grande sertão: veredas para o espanhol, em sua relação com a ética da tradução proposta por Antoine Berman. Ao lado disso, busca-se também dimensionar o alcance político de Gran sertón: veredas e da atuação de Crespo como diretor da Revista de Cultura Brasileña, utilizando-se das reflexões de Barthes e Didi-Huberman, acerca do potencial político da linguagem e da experiência. Para isso, tomam-se textos escritos pelo próprio tradutor e leituras críticas sobre sua tradução, são eles: a “Nota do Tradutor” (1975), que compõe o volume de Gran sertón: veredas, e o artigo “Proshomenaje introductório” (1967), ambos escritos por Crespo. E, quanto às leituras críticas, utilizam-se os artigos: “Recepción en España de Gran sertón: veredas” (2007), de Antonio Maura e “A recepção de Guimarães Rosa na Espanha: a Revista de Cultura Brasileña” (2009), de Pilar Gomes Bedate. Observa-se que Crespo decidiu-se por uma ética positiva apesar do cenário conturbado enfrentado pela Espanha durante a segunda metade do século XX.
O que procuramos quando estamos diante do espelho? O faríamos diante de um espelho sem a imagem que esperaríamos encontrar? Na literatura isso é bastante recorrente. Este trabalho se ocupa com três exemplos nos quais não apenas a questão do espelho é discutida, mas a questão da perda do reflexo como questionamento do Ser. Nas obras homônimas “O Espelho”, de Machado de Assis e Guimarães Rosa, além de “O Reflexo Perdido” (Das Verlorene Spiegelbild) (1815), do escritor alemão E.T.A. Hoffmann, observamos a dinâmica dos espelhos enquanto questão. Na verdade, o percurso dos personagens aparecem no reflexo perdido de cada um: na ausência de suas imagens passam a questionar sua existência. É aí que então, cada um deles encara o seu desdobramento de uma maneira diferente, mas todos através do diálogo. Note-se que quando os personagens perdem seus reflexos, o real, que se dá como realização de mundo, sentido e verdade, se perde. E o que vem a ser mundo sentido e verdade? São questões, e como tais, se manifestam enquanto se retraem tornando-se assim necessária a busca, o percurso. O mundo é a realidade se dando como sentido e quando isso é rompido, este se perde. Diante do espelho o homem se vê um monstro ou uma imagem desfigurada, ou não se vê. Essa quebra de seu mundo, que é aquilo que ele tem por verdade, de repente se esvai, e assim se abre a questão do que é mundo, sentido e verdade, e o que é o homem diante de tudo isso.
No tempo móvel do contar, os protagonistas de “Grande sertão: veredas”, “Panamérica” e “Corra Lola, corra” desenham suas histórias em viagens virtuais que rompem com a linearidade do tempo do Cronos, no qual passado, presente e futuro se apresentam como momentos distintos e fatalmente encadeados. Ao fraturar a sequência cronológica, os protagonistas jogam com as múltiplas possibilidades de um tempo inapreensível, cujas reversões e cruzamentos inesperados fazem de suas travessias uma experiência errante do devir. Assim, o diálogo proposto entre obras tão distintas, como o filme de Tom Tykwer e os romances de João Guimarães Rosa e José Agrippino de Paula, tem como viés de leitura a tensão entre o ordenamento do tempo do Cronos e o jogo inacabado do tempo do devir.
A novela “Campo geral”, publicada originalmente em Corpo de baile (1956), de João Guimarães Rosa, narra a estória de um menino míope e absorto em seu mundo de pequenos animais, formigas, besouros e aves, companheiros de sua infância, tendo como cenário o sertão dos “Gerais”. Os dramas familiares conduzem a vida e o crescimento do personagem principal Miguilim que encontra na contação de estórias um meio que lhe será muito útil para lidar com a sua realidade; assim, a narrativa “Campo geral” é entremeada pelas descrições, memória, percepção, imaginação e pelo vivido do homem sertanejo. É nesse bioma do cerrado que se concentra o “sertão dos Gerais” ou os “Gerais” ou “Campos gerais”, com os chapadões, de grandes extensões de terra cercados por veredas. Território de paisagens naturais e culturais, povoado por pessoas simples que habitam esse lugar rústico tomado pela força da ação, da relação homem e natureza. Para tanto, escolhemos como marco teórico a Estética da Recepção que nos mostra ser imprescindível a participação do leitor em qualquer texto, porque, desde o momento que lança seu olhar sobre a obra, invoca uma consciência crítica. O sujeito receptor e o objeto estético exercem papéis específicos para o sentido da obra, não ligado apenas à significação nomeada ou mesmo sugerida pelo autor, nem exclusivamente à atribuição de sentido por parte do leitor no ato de leitura. Dessa forma, destacamos o trabalho de Claudia Campos Soares (2002) sob uma perspectiva sociológica da novela “Campo geral”, pelo ponto de vista de um menino, que projeta no leitor uma visão cartográfica simbólica de um espaço, com traços de cultura, de história e de valores do cotidiano vivenciados pelo homem sertanejo.
Este trabalho propõe um estudo comparativo entre Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, e a historiografia de Eric Hobsbawm, enfeixada em títulos como Bandidos (1969) e Era dos Extremos (1994). No presente exame espera-se demonstrar como a história do Ocidente no século XX infiltra-se na particular inscrita nas páginas desse autor brasileiro e em seu remoto sertão caracterizado pelo
protagonista Riobaldo como sendo o próprio mundo. Este espaço geográfico se erige tal qual uma metonímia de todos os lugares, expressão do conceito de "aldeia global" cunhado por McLuhan (1911-1980) e distante, por assim dizer, de uma espécie de saudosismo sertanejo. Exemplos dessa ressonância da história ocidental abundam nesse romance como os grandes fenômenos apontados por Hobsbawm vivenciados no século passado: a emancipação feminina e a crítica aos modelos liberais, os quais originaram os grupos de bandidos sociais e as práticas de barbárie por estes cometidas que forjaram em algumas regiõe
O conto O espelho, de Guimarães Rosa, narra a história de um homem que, através de sua imagem refletida no espelho, inicia um processo de reconhecimento de si, uma vez que tal reflexo não consegue expressar quem ele é de fato, mas somente apresentar uma imagem que em nada o representa em sua essência. Pode-se depreender, em tal obra, três transformações, a saber: a primeira, na qual o indivíduo se confronta inicialmente com sua imagem refletida no espelho, a qual o perturba. Esse é o que se pode chamar de ponto de partida para todo o processo de reconhecimento de si. A segunda aponta para uma suspensão da visão que o indivíduo tem de si, incluindo fatores genéticos e estéticos. A terceira transformação compreende o início efetivo do nascimento do “eu” do narrador, metaforizado através da imagem da criança. Pretende-se estabelecer uma relação interpretativa entre o referido conto com a filosofia de Friedrich Nietzsche, cuja obra Assim falava Zaratustra, apresenta transformações similares através da figura do camelo, do leão e, por fim, da criança. Buscar-se-á explicitar, dessa forma, relacionando o conto de Guimarães Rosa com a filosofia de Nietzsche, o processo efetivado pelo indivíduo para questionar ideologias estabelecidas, que lhe são impostas no decorrer da vida e ele deve carregá-las, como o camelo, mas que, diante de um processo questionador, possa desfazer tais concepções, destroçando-as, tal qual o leão, para, enfim, descobrir quem de fato é através de um novo “eu”, como a criança, que tudo questiona.
A extensão do romance Grande sertão: veredas, a não-linearidade, fundamentalmente na parte inicial, as inserções das narrativas de enclave, a voz de um narrador que fala de si próprio e que, na tentativa de refletir sobre a existência, profere um discurso cheio de incursões ao passado são fatores atrelados ao desafio do processo de adaptação. Nos direcionamos para o movimento em direção ao passado e em direção ao futuro, sobre o qual está alicerçado o romance, apontando a existência de diferentes “graus” de passado e da inserção de tempos independentes através das narrativas de “enclave”. Romance, minissérie e roteiro são nossos objetos de pesquisa centrais durante o desvelamento das técnicas empregadas na combinação dos diferentes tempos das narrativas literária e televisual. Muitas outras linguagens entram em consonância no processo de adaptação: a linguagem da câmera com suas angulações e movimentos, a linguagem falada, a linguagem corporal, a linguagem musical, a linguagem icônica, os ruídos e os efeitos sonoros. Para a análise das sequências da minissérie, selecionadas e analisadas comparativamente às sequências literárias, também levaremos em consideração os estudos de Linda Cahir (2006), Julie Sanders (2006), Mireia Aragay (2005) e Sarah Cardwell (2002).
Este trabalho propomos um encontro entre o Sertão Mineiro, Moçambique e a Amazônia. Geografias culturais e literárias que têm em comum a expressividade da língua portuguesa em interface com a oralidade, a mobilidade, a memória e os imaginários em permanente fricção e reconfiguração, a partir da relação dos sujeitos com a natureza. No livro de ensaios E se Obama fosse africano?, o moçambicano Mia Couto destaca o que, apenas aparentemente, nos parece uma obviedade. Ele afirma: As línguas servem para comunicar. Mas elas não apenas ‘servem’. Elas transcendem essa dimensão funcional. Às vezes, as línguas fazem-nos ser”. Como seres de linguagem, existimos nela [língua], por ela somos atravessados a todo tempo. Nesse sentido, é que “as línguas salvam-se se a cultura em que se inserem se mantiver dinâmica”. Partindo desse pensamento de Mia Couto sobre a fecundidade das línguas, queremos salientar os choques esultantes de três linhas imaginárias peculiares à ação literária dos autores – o Sertão Mineiro, a África moçambicana e a Amazônia brasileira. Três geografias que embora aparentemente dissonantes, são incrivelmente simétricas no desenho que delas nos dão seus autores, dentre as quais relevamos os renovadores aspectos estilísticos da língua em sua opção pela oralidade, a verticalidade do pensamento, a mobilidade dos personagens e das temáticas, o retorno nostálgico da tradicional forma de contar histórias, através de narradores testemunhas porosos. Para tal, colocamos em fricção uma constelação de saberes e ecologias oriundas das narrativas A menina de lá, de Guimarães Rosa; O rio das quatro luzes, de Mia Couto e Estória de meninos, de Tené Norberto Kaxinauwá. Esses textos serão lidos sob os aportes teórico-metodológicos do comparativismo solidário prospectivo e da teoria pós-colonial.
Na novela “O recado do morro”, temos a contraposição de duas ordens da realidade (plano real e plano mítico) que, dialeticamente, se desdobram em um espaço, ou seja, este se caracteriza como um ambiente que faz parte do espaço físico (real), mas também apresenta “referências míticas”. Diante dessa dupla feição do espaço pretendemos desenvolver um breve estudo sobre a composição do espaço em “O recado do morro”, novela de Corpo de baile (1956), no intento de esclarecer como Guimarães Rosa se vale de elementos advindos de diferentes campos do conhecimento, neste caso o científico e o poético, na constituição de uma narrativa em que há correlação desses diferentes campos do saber no que diz respeito ao espaço percorrido pela expedição guiada por Pedro Orósio. Este trabalho será realizado por meio de uma interpretação que pretende analisar como se evidenciam os mecanismos utilizados por Guimarães Rosa para compor um espaço com a presença do real e do mítico, ao comparar trechos da narrativa em foco aos relatos de viagem de Spix (1781-1826) e Martius (1794-1868) e aos trabalhos paleontológicos (Ciência que estuda a vida passada da Terra) e espeleológicos (estudo de cavernas e grutas) desenvolvidos por Peter Lund (1801-1880) no sertão mineiro. As referências a esses trabalhos transparecem na narrativa por meio da utilização de nomenclaturas e descrições científicas registradas pelos naturalistas em termos como o megatério, o tigre-de-dente-de-sabre, a protopantera e os homenzarros. Para desenvolver esta tarefa, utilizamo-nos como aporte teórico dos estudos estético-recepcionais de Hans Robert Jauß (1921-1997), sobretudo em A História da Literatura como provocação à Teoria Literária, das teorizações de Mircea Eliade (1907-1986) acerca do mito e, no que tange às possibilidades de um estudo comparativo nos utilizaremos de textos de autores como Henry Remak (1994) e René Wellek (1994).
Busca-se em Erich Maria Remarque (1898-1970) em Nada de novo no front (1929)
e Guimarães Rosa (1908-1967) nas crônicas “O mau humor de Wotan”, “A velha” e “A senhora
dos segredos”, presentes em Ave, palavra (1970). Discutir os principais eventos de terror do
século XX (as duas Guerras mundiais e o Holocausto) sob a noção de tradução benjaminiana
abordada por Marcio Seligmann-Silva. Nesta perspectiva as Literaturas elegidas conduzem para
uma leitura que pode dar voz aos que sofreram as imposições e violências, proporcionados pelos
regimes autoritários e guerras. No entanto, pela via da experiência estética jaussiana o leitor não
se encontra submisso, a experimentar as obras literárias citadas, sob a batuta da tradução das
realidades caóticas representadas por Guimarães Rosa e Remarque, sendo conduzido
necessariamente pela identificação com os que foram vitimas da agressão. É fundamental
compreender como os textos literários em questão traduzem a realidade totalitária de conflitos
do século passado não como meras representações, mas, como reflexo das fraturas da realidade
vigente em questão (imposição ideológica, violência, autoritarismo, etc.) e que há na
experiência estética a possibilidade de prazer mesmo mediante estas condições.
O presente trabalho constitui-se em uma leitura comparativista, com base em
constatações de semelhanças existentes, entre as obras El Ingenioso Hidalgo Don
Quijote de La Mancha (1605/1615), do escritor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra
(1547-1616) e Grande sertão: veredas (1956), do escritor brasileiro João Guimarães
Rosa (1908-1967), a partir da temática da travessia. Evidenciando-a como ritual de
passagem, a aventura da travessia é focalizada nesse estudo comparativo como
possibilidade para a compreensão de tais narrativas dos séculos XVII e XX,
respectivamente, constituindo laços de unidades por meio de isotopias metafóricas.
Cavalgando com os heróis cervantino e rosiano, de forma a acompanhar as sagas em
que a ―demoníaca sede de aventuras‖ (LUKÁCS, 2000, p. 103) subjaz às narrativas,
observaremos que, para além das comparações e interpretações contextualizadas pelas
próprias narrativas, podem-se verificar possíveis correspondências e influências entre as
duas obras literárias, que apesar de distanciarem-se em espaço e tempo, estreitam-se e
identificam-se em aspectos literários essenciais: o humano e o mundo em movimento,
podendo contribuir para o estudo da recepção de uma obra espanhola de grande
importância (Dom Quixote de La Mancha) no Brasil. Desse modo, observar-se-á que as
ressonâncias quixotescas sobre a obra de Rosa podem ser iluminadas pela pulverização
caleidoscópica de outras leituras, especialmente de interlocuções críticas, que, na
loucura lúcida da travessia literária, na viagem aos ―crespos do homem‖ (ROSA, 1956,
p. 11), participam da gênese do objeto estético, expandindo seu contexto e significações,
a partir da tríade hermenêutica jaussiana, apontando para o entrecruzamento entre tais
obras a partir de referências múltiplas que o perfazer do caminho da viagem torna
possível.