O artigo estuda a novela Uma estória de amor (1964), de Guimarães Rosa, com o objetivo de apreender o contexto de emergência da oralidade e da tradição oral presentes na cultura popular sertaneja. Parte-se da apreensão desta oralidade como um discurso do encantamento em que não há fronteira entre real e imaginário, expressando-se através de contadores de histórias e suas performances narrativas e a (re)criação e circulação dos contos orais pertencentes ao Ciclo do Boi.
O artigo faz uma leitura da novela “Uma estória de amor (A festa de Manuelzão)”, de Guimarães
Rosa, dando enfoque a uma narrativa poética, proveniente da poesia oral popular, intercalada à novela. Procuramos ler o texto intercalado, “O Romanço do Boi Bonito”, como uma estória-louvação, buscando nas referências de Farias (2004) sobre tal procedimento em algumas culturas tradicionais africanas, um aporte para a análise. Com essa leitura, chegamos à conclusão de que Guimarães Rosa reatualiza a performance da palavra poética dentro de sua narrativa, misturando as tradições múltiplas em que a oralidade resvala para o universo mito-poético.
Examinam-se três contos de Tutaméia (Terceiras estórias), de João Guimarães Rosa: “João Porém, o criador de perus”, “Os três homens e o boi dos três homens que inventaram um boi” e “Tapiiraiauara”, respectivamente, a décima sexta, vigésima quinta e trigésima quinta narrativas. Observa-se o aproveitamento que o autor realiza de elementos procedentes de uma cultura falada, como também a transmissão e reinvenção de uma literatura popular, seu desempenho oral, suas situações de enunciação e de divulgação; assim, busca-se compreender o modo pelo qual o escritor confere credibilidade e verossimilhança ao que é ensinado através das manifestações orais.
A oralidade é sem dúvida um dos aspectos mais pronunciados no romance Grande Sertão: Veredas e,
em geral, na obra de João Guimarães Rosa. Apesar da abundância de estudos sobre este autor e
sua obra, a oralidade permanece um terreno fértil, sobretudo se abordada pelo viés tradutório.
Razão pela qual propõe-se, neste trabalho, a análise da forma como os tradutores franceses
abordaram essa questão em suas traduções. Para fazê-lo, serão utilizadas as teorias desenvolvidas
por Henri Meschonnic (1982; 1999), no que concerne às formas orais e faladas, bem como o
estudo sobre o discurso oral em Grande Sertão: Veredas, desenvolvido por Souto Ward (1984), além
dos trabalhos organizados por Michel Ballard no livro Oralité et Traduction (2001).
Esta dissertação tem como objeto de estudo a análise do chiste em Tutaméia, de João Guimarães Rosa, a partir dos 04 (quatro) prefácios e 10 (dez) contos selecionados da obra. Apresenta como principal referência a teoria psicanalítica sobre o chiste e o inconsciente, de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Ao lado do chiste como fio condutor do estudo, é abordada a questão da narrativa como uma estética fundamentada na multiplicidade de vozes do narrador, na oralidade dos folhetos de cordel, intermediada por uma intertextualidade entre a tradição culta e a tradição popular, em que se sobressai uma lógica lingüística e conceitual às avessas, ao contrário dos cânones oficiais da língua. Por fim, é estabelecida uma análise comparativa entre a concepção de vida dos personagens rabelaisianos e alguns personagens de Tutaméia, tendo como paradigma o personagem de Melim-Meloso, através do qual a alegria de viver sobrepõe-se a todas as adversidades da vida, veiculando a mensagem de que o chiste, o riso, é o melhor antídoto contra as dores e pesares da travessia humana, encontrando-se a serviço de uma maior liberdade e prazer de criação.
Este trabalho apresenta uma leitura crítica das novelas de Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa, com o foco nas figuras dos contadores de estórias e dos cantadores de cantigas e suas respectivas performances. Pretende-se ressaltar que, numa espécie de mise en abyme, estórias são contadas dentro da estória, enfatizando, portanto, os eventos dessas performances no momento da enunciação. Verifica-se que em Corpo de Baile a performance das figuras dos contadores de estórias e dos cantores gera uma reflexão sobre a relação entre escrita e oralidade, bem como uma reflexão sobre a representação de uma forma de oralidade encenada. Assim, questionamentos sobre as experimentações formais nos levam a equacionar as escolhas de Rosa na elaboração da sua obra em forma de ciclo. Tanto sua forma assume novas variantes, quanto parece estar em constante prolongamento. Pretende-se destacar que Guimarães Rosa, numa espécie de roman-fleuve, constrói as narrativas de Corpo de Baile por meio de uma estrutura harmônica composta de textos que se relacionam entre si pelo transbordamento de personagens que transitam entre as novelas, sustentado pelos signos da musicalidade e do recomeço. Conclui-se que Corpo de Baile apresenta uma esfera composicional que visa uma construção de um espaço artístico cujas performances são ao mesmo tempo uma espécie de ferramenta narrativa e de reflexão sobre aspectos da criação poética.
Ao compor suas narrativas, Guimarães Rosa objetiva a representação da
oralidade por meio da escrita. Buscamos apresentar alguns aspectos da configuração
narrativa presentes no livro de contos Sagarana, no qual há a presença marcante do
narrador sertanejo disposto a contar suas estórias para um ouvinte de um universo
culturalmente distinto. Ao ficcionalizar a oralidade, tanto no plano da forma quanto do
conteúdo, o narrador aproxima, não apenas o oral ao escrito, mas o popular ao erudito.
Para verificar as estratégias ficcionais utilizadas pelo autor para atingir esta mescla,
consultamos: Câmara Cascudo, Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin, Vladimir Propp,
entre outros. Guimarães consegue demonstrar que a fixação do texto na escrita não
se caracteriza como limitadora para as situações de oralidade, pois em Sagarana é
possível vislumbrar o quão valoroso é o compartilhamento de costumes e valores
urbanos aos sertanejos.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa
A oralidade reinou absoluta desde os primórdios da civilização, até que, com o desenvolvimento das culturas, o surgimento da escrita revolucionou a forma como o conhecimento passou a ser registrado e preservado. Na busca de melhor compreender a aparente dicotomia entre a modalidade oral e a escrita, este trabalho discute as peculariedades linguísticas orais presentes na linguagem espontânea sertaneja. Assim, decidiu-se utilizar como corpus de análise desta dissertação o conto Meu tio o Iauaretê, do mineiro João Guimarães Rosa (JGR), cujo protagonista Tonho Tigreiro supostamente se metamorfoseia em onça mesclando vingança, ódio e arrependimento, valendo-se de uma oralidade que mistura fenômenos linguageiros caracterizados por neologismos e onomatopeias. A partir da revisão da produção de estudiosos do tema como Preti, Bakhtin, Marcuschi, Ullmann entre outros, o objetivo do estudo pôde ser sintetizado na seguinte indagação: Quais marcas de oralidade presentes no texto analisado caracterizam a fala cotidiana e corriqueira do sertanejo e quais são as peculiaridades linguageiras mais frequentes? Entre os achados, verifica-se que JGR exalta a diversidade cultural e combate, mediante o tratamento linguístico utilizado no texto, possíveis preconceitos à fala corriqueira tão frequente nos usos livres da oralidade e da escrita na prática cotidiana da língua, o que faz rever posicionamentos acerca de conceitos como certo , errado , apropriado quanto ao uso da língua em determinados momentos comunicativos.
A presente pesquisa se justifica por refletir, na obra Tutameia – Terceiras Estórias, de João
Guimarães Rosa, os aspectos, aqui, considerados mais representativos da linguagem rosiana:
as formas pelas quais o oral, o culto e o poético tecem, conjuntamente, seus fios numa
unidade que se revela pela diversidade de obra; assim como as vias ou trilhas pelas quais uma
diversidade linguística se entrelaça, se amalgama e se configura dentro de um caminho (ou
“ponto paragem”) – de língua – que, ao se efetivar em unidade, se manifesta, paradoxalmente,
pela pluralidade. Eis os aspectos típicos da prosa de Guimarães Rosa que, nesta pesquisa, se
apresentam de grande relevância para a compreensão dos mecanismos linguísticos e poéticos
que caracterizam a linguagem de Tutameia, já que o autor soube como nenhum outro explorar
as virtualidades da língua; soube engendrar tão quanto recriar potencialidades de linguagem
que se manifesta por uma lógica que é, a um só tempo, construída e construtora de mundos e
de vida. Desse modo, se infindos são os itinerários e as “veredas” representadas nas estórias
de Tutameia, também infinitos são os artifícios de Rosa no intento de garantir visibilidade a
esse vasto repertório cultural e linguístico representativo do ambiente e da realidade
específica que servem de referência para o escritor. Como tal, o presente estudo discute a
lógica performativa adotada pelo prosador como mecanismo de evidência e notoriedade
especialmente da língua oral, bem como discute os motivos temáticos e estruturais que
justificam o caráter inovador na (des)articulação e configuração da língua e da obra aqui
tomada como objeto de estudo. A presente pesquisa busca compreender como os “fios” da
linguagem de Tutameia se “enredam” – na mesma proporção em que se “desenredam” – para
formar uma “teia” que, “tecida”, se configura num todo de obra que “teoriza” ao mesmo
tempo em que efetiva um novo processo de (re)criação de língua, bem como do fazer literário.
Por conseguinte, os percursos linguísticos e poéticos trilhados pelo ficcionista constituem o
nosso itinerário de leitura, de análise e de crítica. A linguagem do autor constitui, na obra, o
espaço dos “pontos paragens” nos quais repousa nosso olhar aguçado em busca de
compreensão e de estudos que possam se somar à fortuna crítica da obra rosiana.
A obra mundialmente conhecida de Guimarães Rosa tem no transitar entre o
popular e o erudito, o oral e a escrita, uma de suas características determinantes. Por meio
dessa fusão, o autor transpõe e recria na ficção, na figura do sertanejo do interior dos
Gerais, os medos e incertezas humanos, no que diz respeito à compreensão de si mesmo e
do mundo. Nosso trabalho objetiva analisar a presença da oralidade em Corpo de baile
(1956), a partir de “Campo Geral” e “Uma estória de amor”, a primeira porque “contém,
em germe, os motivos e temas de todas as outras” (ROSA, 2003, 91), a segunda porque
“trata das “estórias”, sua origem, seu poder” e do “papel, quase sacerdotal” (idem) de seus
porta-vozes. Para tal, recorreremos aos contributos de Paul Zumthor e Câmara Cascudo,
dentre outros.
Este trabalho propomos um encontro entre o Sertão Mineiro, Moçambique e a Amazônia. Geografias culturais e literárias que têm em comum a expressividade da língua portuguesa em interface com a oralidade, a mobilidade, a memória e os imaginários em permanente fricção e reconfiguração, a partir da relação dos sujeitos com a natureza. No livro de ensaios E se Obama fosse africano?, o moçambicano Mia Couto destaca o que, apenas aparentemente, nos parece uma obviedade. Ele afirma: As línguas servem para comunicar. Mas elas não apenas ‘servem’. Elas transcendem essa dimensão funcional. Às vezes, as línguas fazem-nos ser”. Como seres de linguagem, existimos nela [língua], por ela somos atravessados a todo tempo. Nesse sentido, é que “as línguas salvam-se se a cultura em que se inserem se mantiver dinâmica”. Partindo desse pensamento de Mia Couto sobre a fecundidade das línguas, queremos salientar os choques esultantes de três linhas imaginárias peculiares à ação literária dos autores – o Sertão Mineiro, a África moçambicana e a Amazônia brasileira. Três geografias que embora aparentemente dissonantes, são incrivelmente simétricas no desenho que delas nos dão seus autores, dentre as quais relevamos os renovadores aspectos estilísticos da língua em sua opção pela oralidade, a verticalidade do pensamento, a mobilidade dos personagens e das temáticas, o retorno nostálgico da tradicional forma de contar histórias, através de narradores testemunhas porosos. Para tal, colocamos em fricção uma constelação de saberes e ecologias oriundas das narrativas A menina de lá, de Guimarães Rosa; O rio das quatro luzes, de Mia Couto e Estória de meninos, de Tené Norberto Kaxinauwá. Esses textos serão lidos sob os aportes teórico-metodológicos do comparativismo solidário prospectivo e da teoria pós-colonial.