Qual a distância entre a incompreensão diante de atitudes alheias do que entendemos por loucura? Até que ponto é o homem capaz de se despir de seu individualismo em prol do bem estar dos que são por ele amados e da sociedade? Perguntas como estas tomaram nossas reflexões no desenrolar de contatos sucessivos com o conto “A benfazeja”, do livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, cuja primeira edição, empreendida pela José Olympio, completa agora quarenta anos. Tencionamos buscar, portanto, com esta apreciação, algumas respostas para os questionamentos apresentados acima, a partir da análise das personagens Mula-Marmela, Mumbungo e Retrupé, bem como das relações entre elas estabelecidas e as demais personagens não nomeadas do texto.
Passados dez anos da estréia em livro, Guimarães Rosa publica, em 1956, pela então Livraria José Olympio Editora, Corpo de Baile e Grande sertão: veredas. A primeira obra sofreu modificações consideráveis em sua organização ao longo das três primeiras edições, que o autor, falecido em 1967, conheceu. Dividido inicialmente em dois volumes, Corpo de Baile foi reeditado em volume único, em 1960, e em três volumes autônomos, quando da terceira edição: Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965), passando a figurar Corpo de Baile como subtítulo. As novelas, que se relacionam entre si inclusive por meio da migração de personagens, tiveram ainda sua classificação apontada nos índices – Corpo de Baile apresenta um índice de abertura e um de conclusão – paulatinamente alterada, perdendo-se denominações, invertendo-se outras, e, por um provável descuido da editora, acrescentando-se novas falhas as já existentes ao longo do tempo, o que só foi sanado na edição comemorativa dos cinqüenta anos da obra, publicada pela Editora Nova Fronteira em 2006. Com este trabalho, objetivamos destacar algumas das alterações empreendidas em Corpo de Baile e analisar suas implicações no projeto original da obra. Veremos assim em que medida tais modificações prejudica(ra)m a compreensão da obra como um todo, como um só corpo que é.
m 1956 a então Livraria José Olympio Editora trouxe a público, além de Grande Sertão: Veredas, a obra Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, composta por sete novelas. Publicada naquele momento em dois volumes, apresentava as novelas como poemas, no primeiro índice; como romances ou contos, no segundo índice, além da denominação de “GERAIS” e “PARÁBASE”. Em 1960, o livro foi reeditado em volume único, mantendo-se, no entanto, as várias classificações para as narrativas. Na terceira edição, com o consentimento do autor, a obra foi dividida em três volumes autônomos, Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá, no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965), passando a figurar Corpo de Baile como subtítulo. Essa, no entanto, não foi a única e talvez nem mesmo a maior modificação que recebeu a obra. A classificação de “GERAIS” e “PARÁBASE” desapareceu, ausente do livro até a publicação comemorativa do cinqüentenário de Corpo de Baile, pela Nova Fronteira. A partir da quarta e póstuma edição, por um provável descuido da editora, novas falhas somam-se as já existentes, o que também só foi sanado na edição comemorativa a que nos referimos.
Em nossa comunicação, exporemos algumas das alterações empreendidas em Corpo de Baile e analisaremos suas implicações no projeto original da obra. A correlação entre a estrutura da Comédia Antiga presente em “Cara-de-Bronze”, por exemplo, classificada até a segunda edição também como parábase, obscureceu-se. Outras conseqüências prejudiciais à compreensão da obra como um todo serão igualmente apontadas.
Esta Dissertação tem por objetivo a análise da novela "Uma estória de amor (Festa de Manuelzão)" a partir da trajetória de seu protagonista, Manuelzão. Destacamos, assim, as escolhas e renúncias da personagem em prol do seguinte projeto: ter nas mãos o controle sobre a própria existência, modificando a realidade de infante pobre em estabilidade sócio-econômica e reconhecimento pelo trabalho e, conseqüentemente, pelo nome. No primeiro capítulo, "Corpo de Baile: da imprensa à universidade", apresentamos a recepção das novelas rosianas pela imprensa, no ano de seu lançamento, 1956, bem como os principais estudos realizados acerca de "Uma estória de amor", sobretudo na década de noventa. Em "O traçar de uma rota", segundo capítulo, tratamos da memória da infância de Manuelzão e sua importância na decisão do protagonista de tomar as rédeas do próprio destino, almejando tornar-se bem sucedido e reconhecido não só na Samarra mas ainda nos arredores. Para alcançar tal objetivo, Manuelzão trabalha árdua e ininterruptamente as terras de Federico Freyre e lhes destina seus esforços, na mesma intensidade de dedicação a que se propusera até então.
A tese tem por objetivo estudar Corpo de baile, de João Guimarães Rosa, como uma
unidade, o que é apontado já desde o título da obra, em acordo com o projeto original do autor
para o livro. Para tal, utilizaremos a primeira edição de Corpo de baile, de 1956, tendo em
vista sua gradativa descaracterização, a partir da terceira edição, quando a obra é tripartida e
cada volume recebe um novo título, a saber, Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá,
no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965). A coexistência de dois índices, nomenclaturas
diversas para os textos (novelas, romances e Gerais, contos e parábases), epígrafes comuns e
específicas, referências e citações, migração de temas e personagens, inserção de estórias,
representação de cantigas e danças, com o uso, muitas vezes, de recursos do teatro e da
poesia, fazem de Corpo de baile uma síntese celebrativa da arte e da vida, considerando,
dentre outros aspectos, seu caráter cíclico e repetitivo. Assim, dedicamos o primeiro capítulo
da tese à análise da organização da obra, para, na sequência, examinarmos uma a uma as sete
narrativas, segundo a disposição original, perfazendo, deste modo, o percurso sugerido pelo
autor.
A obra mundialmente conhecida de Guimarães Rosa tem no transitar entre o
popular e o erudito, o oral e a escrita, uma de suas características determinantes. Por meio
dessa fusão, o autor transpõe e recria na ficção, na figura do sertanejo do interior dos
Gerais, os medos e incertezas humanos, no que diz respeito à compreensão de si mesmo e
do mundo. Nosso trabalho objetiva analisar a presença da oralidade em Corpo de baile
(1956), a partir de “Campo Geral” e “Uma estória de amor”, a primeira porque “contém,
em germe, os motivos e temas de todas as outras” (ROSA, 2003, 91), a segunda porque
“trata das “estórias”, sua origem, seu poder” e do “papel, quase sacerdotal” (idem) de seus
porta-vozes. Para tal, recorreremos aos contributos de Paul Zumthor e Câmara Cascudo,
dentre outros.