A ficção literária cria um campo de encenação, onde todos os elementos se condicionam ao jogo do como se. As representações do real são transpostas para um plano de fingimento e a realidade do mundo vivencial é desmanchada pelo que se omite e pelo se explicita no texto literário. Expressam-se no texto presença e ausência, sem que um plano se sobreponha ao outro. Guimarães Rosa cria poetas anagramáticos, em cujos nomes estão presentes as marcas de sua criação. Do ponto de vista da teoria ficcional, as máscaras não conseguem realizar o ocultamento pleno. Como tais, devem indicar o fingimento, o disfarce. A heteronímia, em Fernando Pessoa, não se dissocia da intenção autoral, embora não existam meios de se comprovar que todas as suas personalidades poéticas constituam um único Eu. Os heterônimos são distintos entre si e também diferem do que assina como Pessoa-ortônimo. Esse fato intrigante tem suscitado, em estudiosos, o desejo de decifrar os enigmas da heteronímia. Este estudo comparativo dos dois ícones da literatura intercontinental se baseia na teoria do efeito estético de Wolfgang Iser, com ênfase nos atos de fingir e seus efeitos no receptor, para além da simples projeção ou da identificação com a realidade. A metaficção, compreendida como autoconsciência, será o elemento comum aos dois poetas, que propiciará a análise dos jogos de enigmas, tendo em vista a criação de personalidades poéticas, em suas obras.
A obra do escritor brasileiro João Guimarães Rosa foi altamente difundida em diversos países. Seus textos tornaram-se lidos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, rompendo as fronteiras e sendo levados, por outros escritores, para países que enfrentavam uma problemática social semelhante com a brasileira, como Angola e Moçambique. Neste ensaio, buscou-se ver o quanto o escritor brasileiro influenciou a obra do escritor angolano Luandino Vieira e do moçambicano Mia Couto.
Guimarães Rosa relaciona a sua arte com a tradição literária brasileira e universal como autor de um ato que é simultaneamente estético e social. Essa relação é expressa através de uma forma literária que congrega a representação do sertão, uma referência principal; e a avaliação da mesma a partir de seu ponto de vista particular que é comunicado ao destinatário e ao leitor no estilo dos seus textos. Muitos textos críticos foram produzidos a respeito de Rosa e suas obras, mas uma questão crítica pertinente hoje, depois de muita interpretação de conteúdos, é a do sentido estético e político da intervenção da forma literária de Rosa no cânone.
Este artigo visa a discutir a recepção crítica de Corpo de baile, de Guimarães Rosa, à luz do conceito de experiência estética formulado por Jauss (1979). Com base na hermenêutica literária proposta pelo pensador alemão, pode-se interpretar Corpo de baile como exaltação à literatura e ao corpo da linguagem. É possível pensar o ciclo narrativo como ciclo poético, elaboração formal e crítica fundidos em único objeto estético, e, ao mesmo tempo, refletir sobre a dimensão estética do homem. Buscar a hermenêutica para compreender a obra literária conduz-nos a perceber distinções fundamentais, tais como entre livro e mundo, objeto interpretado e sujeito interpretante. Assim, para uma compreensão de Corpo de baile, é preciso minimizar as manifestações implícitas de Guimarães Rosa, a fim de superar uma estética centrada no autor. Pensando a experiência estética em Corpo de baile ? projeto literário múltiplo, cuja configuração temática e formal ainda se discute ? com fundamentação na tríade aishesis, poesis e katharsis, não se visa somente examinar a recepção crítica de Guimarães Rosa, mas, sobretudo, compreender como, no interior mesmo da obra, se coloca a questão da dimensão estética. Cet article vise à étudier la réception critique de Corpo de baile, de Guimarães Rosa, à partir du concept d?expérience esthétique formulé par Jauss (1979). En tenant compte l?herméneutique littéraire proposée par H. R. Jauss, on peut interpréter Corpo de baile comme une exaltation de la littérature et du corps du langage. Il est possible donc penser l?ensemble narratif en question comme cycle poétique, forme et critique integrées dans un seul object esthétique. Chercher l?herméneutique à fin de comprendre l?oeuvre litteraire nous amène à percevoir différences fondamentaux, comme entre livre et monde, objet interprété et sujet interprétant. Pour une compréhension de Corpo de baile, il faut minimiser les manifestations implicites de Rosa, à fin de surmonter une esthétique centrée sur l?a
Guimarães Rosa qualifica seu romance Grande sertão: veredas como uma "autobiografia irracional" ? enquanto a crítica literária faz ouvidos moucos a tal explícito protocolo de leitura. O herói Riobaldo é um bardo que conclui um pacto faustiano para derrotar Hermógenes (o signo arbitrário) e receber Otacília (o prêmio literário): o preço é a perda de Diadorim (a alma). Paralelamente, numa esfera próxima à oratura holográfica, Guimarães Rosa afirma escrever em "estado de possessão", adia a posse na Academia Brasileira de Letras durante quatro anos, morre misteriosamente três dias após a cerimônia. Enigma ou enredo? Por meio de índices factuais e de uma forma inédita na história da literatura universal, o romancista entretece detalhadamente uma autobiografia não tipografável, alheia e avessa à impressão gráfica -- um texto em exclusiva forma de oratura --, com o objetivo de transformar em lenda viva sua própria existência e subtrair-se à finita condição dos seres humanos (e à limitada natureza do texto impresso). Neste trabalho, discutimos as relações entre crítica e vanguardas literárias, por um lado, e oratura autobiográfica ficcional em João Guimarães Rosa, pelo viés oposto, no tocante a seu palimpséstico processo de automitificação poética ? estranhamente ignorado pelo conjunto da crítica.
Um dos iniciadores do terceiro momento do Modernismo brasileiro, João Guimarães Rosa caracteriza-se como um escritor regionalista que tem como ponto de partida a representação do universo sertanejo iletrado para fazê-lo transcender a uma esfera mitopoética, por meio de uma sincrética prosa poética. Nesse sentido, o seu percurso artístico deu continuidade à exploração dos princípios modernistas e inovou na linguagem e na abordagem da matéria literária. Abordando os contrastes da realidade brasileira a partir da relação de nossa diversidade cultural, o escritor não só propiciou um aprofundamento na exploração da temática regional, como, também, soube gerar uma forma artística adequada, tanto no processo de construção das intrigas quanto no gesto inovador no tratamento lingüístico. Nessa proposta complexa de continuidade e inovação, a utilização da cultura popular e a representação do universo sertanejo iletrado tornaram-se uma das bases a partir da qual o escritor arquitetou o seu projeto literário, contemplando ou integrando elementos das culturas popular e erudita como uma forma possível de adequar a sua arte à diversidade das manifestações culturais do Brasil. Voltado, assim, ao entrelugar da literatura rosiana, busco elucidar a partir da análise dos contos O burrinho pedrês, São Marcos e A hora e vez de Augusto Matraga, da obra Sagarana, como o escritor, entrelaçando elementos místicos e míticos em sua estrutura narrativa, figurativiza na riqueza da cultura popular, a projeção de personagens míticas pertencentes ao universo das convenções literárias, conferindo uma dimensão universal aos contos.
O trabalho tem como objetivo analisar as transmutações fílmicas da obra literária Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, em suas duas versões: A terceira margem do Rio, de Nélson Pereira dos Santos (1994) e Outras estórias, de Pedro Bial, (1999). Investiga o processo de transposição do literário ao fílmico, por meio da análise dos contos, para se determinar quais os eixos de leitura que os textos literários motivaram na ordenação e construção dos roteiros fílmicos. Tendo como apoio a teoria semiótica greimasiana, foram levantados os percursos gerativos de sentido dos contos e dos filmes, demonstrando que, nos níveis mais abstratos, como o fundamental e o narrativo, a transposição de um sistema a outro preserva mais relações de conjunções, enquanto que, no nível discursivo, as disjunções resultam em obras autônomas. Nesse nível, também foram desenvolvidas reflexões e indicações de peculiaridades das linguagens no processo de transposição fílmica, ou seja, foram estabelecidas também correspondências e relações de efeitos de sentido. Palavras-chave: literatura, cinema, Guimarães Rosa, mito, semiótica.
O foco deste trabalho assenta-se no percurso da indianidade nas obras selecionadas a partir das afinidades com o universo natural, mítico e aculturado do indígena. Objetiva analisar as estratégias de figuração criadas no âmbito literário, em que o nativo é posto em interação com um elemento externo à sua cultura, seja ele o não-índio, o cristão ou o civilizado, responsável pela oposição índio versus brasileiro. No percurso de leitura estabelecido, as análises dos textos apontam como o homem americano foi visto frente às relações sócio-econômicas e culturais determinadas pelo encontro com o colonizador e as conseqüências derivadas dos conceitos contraditórios que emergiram do quadro de ocupação da terra brasileira. A seleção das obras significativas para este trabalho deu-se a partir da Carta de Achamento, de Pero Vaz de Caminha até a publicação de Maíra (1976), de Darcy Ribeiro. Considerou-se a presença do índio sob diferentes convenções ideológicas e de estilo, em obras representativas dos vários movimentos culturais, nas quais se revelam os matizes que promovem o diálogo entre o indianismo e o indigenismo literário brasileiros. Dessa maneira, o trabalho obedece a dois propósitos: o científico, por meio da interpretação das imagens da realidade nacional tecidas pelo aspecto literário; e o didático, pela composição em forma de um roteiro de leitura, estabelecendo ligação entre a análise e o excerto-referência, pelo qual se dá o contato direto do leitor com o fragmento da obra.