Quando se fala em vida fora da Terra, é comum pensar imediatamente em seres quase humanos, grandes, magros e verdes, como a ficção científica implantou no pensamento coletivo. Mas a ciência da vida real possui uma visão diferente.
A dissertação de mestrado Exoplanetas, Extremófilos e Habitabilidade, de Luander Bernardes, defendida no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, buscou estimar a probabilidade de determinados micro-organismos sobreviverem em planetas fora do sistema solar e em suas possíveis luas. Até o momento, mais de mil exoplanetas, aqueles que orbitam outras estrelas que não o Sol, já foram identificados. Alguns destes corpos celestes estão localizados em zonas habitáveis, que são as regiões ao redor das estrelas onde a existência de água em estado líquido é possível.
Os extremófilos são micro-organismos, em geral bactérias, muito resistentes a condições físico-químicas extremas que outros organismos não suportariam, como por exemplo, altas taxas de radiação, valores muito altos de pressão, salinidade, pH e temperatura, baixa umidade, entre outras características. Esses seres habitam diversas regiões na Terra e podem existir em outros planetas, inclusive em corpos do Sistema Solar, se as condições mínimas necessárias para que adquiram energia existirem. São candidatos naturais para habitar meios ditos extraterrestres, onde tais condições são eventualmente encontradas.
Uma das hipóteses sobre a origem da vida na Terra, a Panspermia, inclusive, baseia-se na probabilidade desses organismos terem viajado pelo espaço e se estabelecido no planeta quando este ainda apresentava condições físico, químicas e climáticas muito diferentes das encontradas atualmente.
Simulações
O trabalho realizado por Bernardes foi composto por simulações numéricas feitas em computador, com modelos atmosféricos, geodinâmicos, de estabilidade orbital e de evolução estelar, aplicados aos exoplanetas já catalogados. Todos esses modelos apresentam variáveis importantes na definição das zonas habitáveis e extremófilas. A Zona Extremófila é um conceito mais amplo que delimita a região ao redor da estrela do sistema planetário onde micro-organismos extremófilos podem habitar. O tipo e o estágio de evolução da estrela do sistema a que pertence o planeta, por exemplo, define o nível de luminosidade que o corpo celeste irá receber, assim como o ciclo silicato-carbono regula a quantidade de CO2 do planeta. A taxa de radiação que o planeta recebe afeta sua temperatura. Além disso, o albedo, variável que define a quantidade de radiação que o planeta reflete, também é fator decisivo para avaliar se o corpo está em uma zona habitável, extremófila ou fora das duas.
As simulações utilizam os padrões terrestres, atuais ou da Terra primitiva, para posicionar os exoplanetas e classificá-los como pertencentes à zona habitável ou extremófila. O planeta Gliese 581 d é exemplo de planeta localizado fora do sistema solar que é conhecido por estar na zona habitável. Ele é classificado como “Super-Terra”, pois possui cerca de seis vezes a massa do nosso planeta. Porém, Bernardes explica que o exoplaneta provavelmente possui pressões de CO2 extremamente altas. “Para a sobrevivência humana é praticamente impossível”, conta. Apenas extremófilos conseguiriam sobreviver a tais condições de pressão. O pesquisador ainda faz uma ressalva: “Isso não é uma verdade absoluta porque não sabemos como são os processos geodinâmicos nos planetas mais massivos do que a Terra”. Esses processos podem operar de uma forma completamente diferente da que conhecemos. Por isso mesmo é preciso avançar nos estudos relacionados à geodinâmica, estabilidade planetária e modelos atmosféricos.
Luander afirma que o modelo usado por ele aponta que a Terra está no limite da zona habitável. Isso acontece porque o Sol está em evolução e aumentando sua luminosidade, o que desloca a zona habitável para posições orbitais maiores. Em aproximadamente seis bilhões de anos, o planeta sairá dessa zona confortável, já que a luminosidade do Sol será maior e causará o aumento da temperatura superficial do planeta. Como consequência do aumento dessa variável, provavelmente ocorrerá a evaporação das reservas de água superficiais, efeito chamado de runaway greenhouse. “É um ciclo irreversível, não tem como freá-lo”, afirma o pesquisador. Da soma total de seis bilhões de anos, passaram-se 4,56 bilhões.
Luas habitáveis
Os estudos ainda apontam que planetas mais massivos, como Júpiter, são capazes de abrigar luas com massa suficiente para reter atmosfera, manter campo magnético eficiente e proporcionar atividades geológicas por bilhões de anos. Elas ainda podem estar localizadas em posições orbitais dentro dos limites das zonas habitáveis e extremófilas, o que possibilita a existência de micro-organismos resistentes. Júpiter se localiza fora da zona habitável do Sistema Solar, mas em uma de suas luas, Europa, é provável que exista água líquida retida abaixo de uma camada de gelo. Segundo Bernardes, os extremófilos poderiam viver nessa água e obter energia de rochas, minerais e através de processos que envolvam as forças de maré, de forma indireta.
A forte atração provocada por Júpiter na lua ainda causaria marés e a movimentação de placas em seu interior, “um aquecimento extra”, como explica o pesquisador. A Nasa tem planos de enviar uma missão à Europa, como um próximo passo após a exploração de Marte.
Após pesquisar a possível habitabilidade dos exoplanetas, Bernardes acredita que a vida fora da Terra pode ser comum, na medida em que consideramos as características especiais dos extremófilos. “Quando você começa a olhar mais para o que temos aqui dentro do nosso planeta, vê esses micro-organismos que sobrevivem em condições extremamente duras. Nós sabemos que essas condições severas existem lá fora também e que os extremófilos podem sobreviver a elas e até mesmo viajar dentro do meio interplanetário”. O pesquisador ainda conta que existem estudos que comprovam a transferência de material orgânico entre as luas de Júpiter. “Isso para nós é bem fantástico”, finaliza.