Nanopartículas foram empregadas para aumentar a eficiência do processo de formação de radicais livres em águas contaminadas. Esses processos de catálises heterogêneas foram desenvolvidos por Larissa Ciccotti, doutora pelo Instituto de Química da USP, com a parceria do seu orientador, professor Renato Freire. Os procedimentos contam com a ação de radiação ultravioleta ou de ozônio, os quais auxiliam a nanopartícula na geração de radicais livres. São eles que vão atuar na degradação de muitos compostos orgânicos prejudiciais à saúde ali presentes.
Novas preocupações
Os compostos escolhidos para estudo foram os poluentes emergentes, entre eles os fármacos, interferentes endócrinos (como hormônios) e produtos de higiene pessoal. O nome se deve ao fato de que seus efeitos no ambiente ainda são pouco conhecidos. Mas se engana quem pensa que eles estão na natureza há pouco tempo. Segundo Ciccotti, “esse termo pode gerar confusão porque pode dar a entender que a presença deles no ambiente é nova, mas não é. O que é novo é a preocupação com eles”.
Apesar de aparecerem em pequenas quantidades, os poluentes emergentes já têm capacidade de gerar efeitos negativos no ambiente e nos animais. Além disso, esses compostos não são legislados. “Dizem que a diferença entre o veneno e o remédio é a dose, mas também é onde ele está”, atesta Freire.
Confecção e surpresas
As nanopartículas são compostas de um núcleo de óxido de ferro revestido com o dióxido de titânio. Esse segundo gera a atividade catalítica, enquanto o primeiro tem a função de tornar as partículas magnéticas. "O problema de usarmos apenas o dióxido de titânio é a separação depois. Você acaba perdendo material e não consegue reutilizar", explica a pesquisadora.
Uma preocupação que surgiu foi a possibilidade de o óxido de ferro comprometer a eficiência de catálise do aparato. Mas, surpreendentemente, esses núcleos não alteraram a atividade catalítica, e o fato de eles tornarem as nanopartículas magnéticas representou uma grande vantagem.
A confecção controlada das partículas representou um desafio. "Boa parte do meu trabalho foi chegar na melhor configuração e padronizar para poder preparar várias vezes e obter sempre o mesmo resultado", aponta a pesquisadora. Outro modelo experimentado foi o da nanopartícula com uma camada intermediária de sílica, para tentar "amenizar" os esperados efeitos negativos do óxido de ferro. Como esses efeitos não se manifestaram, o projeto mais simples permaneceu.
Outra vantagem da utilização do óxido de ferro é a diminuição dos custos de produção. O dióxido de titânio costuma ser caro, e ter um núcleo de outro composto diminui a quantidade do material catalítico necessário. Segundo Freire, "como o que importa é só a superfície, quando é feito esse material misto, diminui absurdamente a quantidade que é preciso daquele material para ter praticamente o mesmo efeito".
Mineralização
Os processos de catálise empregados na pesquisa têm o objetivo de degradar os poluentes emergentes. Porém, a "quebra" da molécula orgânica nem sempre significa que seus produtos não apresentam nenhuma toxicidade. "Muitas vezes é possível ter 100% de degradação, ou seja, 100% daquele composto deixou de ser aquele composto, mas podem ter virado algo ainda mais tóxico", explica Larissa. Sendo assim, o principal objetivo das reações não é a degradação total dos compostos, e sim a maior taxa possível de formação de CO2 e água, processo chamado de mineralização. Ela ocorre por meio de uma série de reações de oxirredução, ou seja que envolvem a transferência de elétrons. "Então, o importante não é chegar em 100% de degradação, mas ter uma alta taxa de mineralização", ela completa.
Aprimoramento
Por enquanto, há uma série de dificuldades para que a técnica possa ser aplicada em larga escala. Além de precisar de uma grande quantidade de catalisadores, uma estação de tratamento nos moldes da Sabesp demandaria um enorme gasto energético para o processo. Para estações pequenas e industriais, porém, já é possível pensar na aplicabilidade.
O que se pode fazer agora é aprimorar o processo para que ele se torne mais barato e mais prático. Segundo o professor, "é preciso fazer esse material absorver em radiação solar. O ozônio tem um monte de vantagens, mas ele tem um custo porque eu tenho que gerá-lo".
Freire também aponta que esse método não vem para substituir os que já são empregados atualmente, uma vez que eles se destinam a compostos muito específicos. "Mas há vários países industrializados que não se preocupam mais com coisas como esgoto, que já foi resolvido. Eles se preocupam com os hormônios", aponta. O processo pode ser mais caro, "mas eles estão dispostos a pagar por isso".