Após uma situação de estresse crônico, como no bullying, uma parte dos indivíduos desenvolve transtornos psiquiátricos ou comportamentos alterados relacionados à depressão, ansiedade e fobia social. O laboratório da professora Silvana Chiavegatto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, busca ferramentas para entender, ao nível molecular, por que esses distúrbios acontecem depois de uma exposição a esse tipo de violência. Recentemente, o grupo encontrou uma associação entre quantidades de uma proteína chamada MAX e a ocorrência desses transtornos utilizando modelo de camundongos.
Depressão e ansiedade social
A professora Silvana Chiavegatto explica que a Psiquiatria tem revelado que muitos dos transtornos observados em adultos têm origem ainda na infância e na adolescência. Alguns indivíduos que sofreram esse tipo de estresse quando crianças ou adolescentes podem não apresentar alterações naquele momento. Porém, como o cérebro está em desenvolvimento, regiões do órgão que foram estimuladas ou inibidas podem ser recrutadas para exercer alguma função apenas numa idade mais avançada, quando o transtorno pode se evidenciar.
No laboratório do ICB, essa situação de estresse devido ao bullying, modelo conhecido como "derrota social", é simulada em camundongos machos adolescentes. Após 21 dias do nascimento, esse animal é retirado da gaiola onde vive com a mãe e exposto a um camundongo maior, treinado para se tornar agressivo. Eles são colocados em uma caixa com uma divisória; o adolescente e o agressor ficam ora juntos, ora separados. Quando estão juntos, o agressor ataca o adolescente, que, imediatamente, coloca-se em posição de submissão. Depois, o camundongo adolescente é retirado e colocado do outro lado, onde fica durante 30 minutos. "Nesse outro lado, ele não tem contato físico com o agressor", explica Silvana, "mas existe o contato visual e olfatório". É um momento de ameaça. Essa foi uma ideia para tentar mimetizar o que acontecia com o adolescente que sofre uma agressão na escola, por exemplo, e ainda deve continuar frequentando aquele ambiente.
O experimento foi repetido durante 21 dias. "O animal teve, durante esse período de desenvolvimento, experiências adversas com vários outros agressores", complementa a professora. Ao final do confronto, depois de ter passado os 30 minutos do outro lado da divisória sem o agressor, o adolescente voltava para sua gaiola de moradia, junto a mais quatro companheiros.
A partir de testes comportamentais, os pesquisadores observaram que os animais que sofreram ataques dos agressores estavam com características de depressão e ansiedade social. Em um dos testes, chamado de nado forçado, em que o camundongo é colocado para nadar, os animais agredidos ficaram maior tempo imóveis, o que significa um estado de depressão ou desamparo, explica Silvana. Eles também apresentaram traços de anedonia, que, em humanos, é a perda do prazer em coisas que se tinha satisfação em fazer antes.
Em relação à ansiedade, foi constatado que eles desenvolveram comportamentos de esquiva social, a partir de um experimento em que o camundongo é colocado em um ambiente onde pode escolher ir para o lado onde há outro animal ou para o que esteja vazio. "Como os humanos, o camundongo, quando adolescente, gosta muito de contato social. Escolher o lado onde há um companheiro da mesma espécie é um comportamento natural", afirma a professora. "Mas os animais que sofreram a derrota social preferiram ir para o lado onde não havia ninguém", acrescenta. Na clínica psiquiátrica, isso é entendido como uma forma de fobia social.
Por outro lado, esses camundongos não apresentaram ansiedade do tipo generalizada, ou seja, aquela inespecífica, frequentemente injustificável ou desproporcional. "Isso foi entendido como consequência do fato de que o camundongo voltava ao seu ambiente social depois da agressão", explica Silvana. "Isso mostra que o suporte familiar pode minimizar os efeitos do estresse crônico psicossocial", complementa.
MAX: oncogene associado à depressão
Os comportamentos observados foram correlacionados com o que acontecia na neuroquímica do cérebro. O alvo dos estudos foi uma proteína chamada MAX, que se junta ao MYC, moléculas muito associadas ao câncer, pois se encontram superexpressas em tumores, mas nunca antes relacionadas a comportamentos ou transtornos psicossociais.
"Essas proteínas são muito importantes durante o neurodesenvolvimento", explica Silvana. "A expressão delas ocorre no cérebro do animal enquanto ele ainda está em útero e, conforme envelhece, é reduzida", afirma. As áreas que têm mais expressão de MAX e MYC, segundo a professora, são regiões relacionadas aos comportamentos emocionais, como o hipocampo e o córtex pré-frontal. Inspirado nisso, o grupo levantou a hipótese do envolvimento dessas proteínas nas alterações cerebrais causadas pelo estresse no início da vida. "É provável que essas moléculas possam estar interferindo na plasticidade que ocorre no cérebro em desenvolvimento quando sofre alguma injúria, como no caso do bullying", explica.
Os resultados dos estudos mostraram que, no camundongo que sofreu o estresse crônico, comparado a um animal controle, a proteína MAX estava aumentada no hipocampo, não alterada no córtex pré-frontal e, de modo não esperado, reduzida em núcleos do estriado dorsal – região muito importante em transtornos do movimento como Parkinson e recentemente associada a comportamentos emocionais. O hipocampo é uma das poucas regiões do cérebro onde ocorre a formação de novos neurônios e é também uma das que sofre mais alteração em transtornos decorrentes do estresse prolongado como a depressão, afirma Silvana. "É uma área que recebe muita informação do meio exterior através de hormônios do estresse", complementa. Na depressão, o hipocampo sofre uma alteração plástica, ele é atrofiado. Quando o indivíduo toma antidepressivos, ele teoricamente volta ao seu tamanho normal.
As mudanças na concentração de MAX, de acordo com o estudo, não são devido a uma maior expressão do gene responsável por sua produção nem pela redução da degradação da proteína – o que poderia levar ao seu acúmulo no cérebro –, sugerindo alterações após a transcrição do RNA em proteína, processo chamado de modificação pós-transcricional.
A proteína MAX é muito pequena e não faz nada sozinha no organismo, explica a professora. "Ela só atua quando se liga a um outro fator de transcrição: o MYC, outro MAX ou alguma outra proteína", afirma. O estudo também demonstrou a existência de uma correlação positiva entre o MAX e MYC no cérebro do animal controle, ou seja, quando o MAX está aumentado, por exemplo, o MYC também está.
Como o MYC é um parceiro importante do MAX, o grupo investigou se ele também estaria alterado no cérebro dos adolescentes que sofreram o bullying, mas os resultados mostraram que ele não estava modificado em nenhuma das áreas estudadas. "Existe essa alteração de MAX que não é acompanhada de mudanças na quantidade da proteina MYC", acrescenta. "Houve um rompimento da correlação linear que normalmente acontece no cérebro entre essas moléculas", afirma.
O trabalho associa, pela primeira vez, os fatores de transcrição MAX e MYC a transtornos psiquiátricos. Também relata, de maneira inédita, uma desregulação da cadeia MAX-MYC no cérebro relacionada a um comportamento, sugerindo uma nova abordagem a ser estudada na neuroplasticidade causada pela depressão. "Ele mostra também que, nos animais, assim como nos humanos, esse modelo de estresse crônico e psicossocial leva à depressão e à fobia social sem ansiedade generalizada", afirma Silvana, além de demonstrar que o apoio familiar é importante para reduzir os efeitos do bullying.