Um projeto realizado pelos professores Eder Molina e Everton Bonfim do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) conseguiu medir variações do nível de água do Aquífero Guarani através dos satélites norte-americanos Grace (Gravity Recovery and Climate Experience). A pesquisa pode ajudar a proteger o reservatório do uso excessivo em meio à crise hídrica. Utilizando-se do efeito gravitacional que o Guarani exerce, os pesquisadores conseguiram calcular variações em seu volume através dos dados dos satélites.
O projeto Grace é, na verdade, um conjunto de dois satélites “gêmeos” lançados pela NASA em parceria com a Alemanha em 2002, e que orbitam ao redor da Terra, atraídos pela força gravitacional do planeta. Cada um dos satélites está constantemente rastreando a posição do outro. Como todos os corpos exercem força gravitacional (variando de acordo com as respectivas massas e distância), quando estão orbitando uma região com maior efeito gravitacional, um dos satélites aproxima-se mais da Terra. Ou seja, o campo gravitacional exercido pelo Aquífero Guarani “puxa” um desses satélites para mais perto da Terra, enquanto o outro satélite calcula esse desvio na trajetória do “irmão”, e, assim, consegue estimar o volume de águas do Aquífero.
É o que explica Eder Molina: “Como eles [os satélites] estão passando no mesmo lugar durante várias datas diferentes, eles conseguem mapear o campo da gravidade ao longo do tempo, que é o que não conseguíamos fazer até então. E o Grace começou a fazer uma série histórica de medições, e a indicar variações sutis em corpos muito grandes no interior da Terra, que provavelmente estão associados a massas d’água”, afirma. “Eles [os pesquisadores norte-americanos do Grace] fizeram um estudo muito interessante na bacia Amazônica, comparando os dados obtidos com o modelo hidrológico da região. E então, tivemos a ideia de tentar medir o Guarani dessa forma, já que também é um reservatório grande o suficiente”. Infelizmente, os resultados não foram conclusivos devido à carência de modelos hidrológicos (que mostram os períodos de cheia e os períodos de esvaziamento de corpos d’água) melhores na época. “Depois de um tempo, conseguimos chegar a um resultado que mostrava que, com o passar do tempo, é possível obter, para o Aquífero Guarani inteiro, uma variação no campo da gravidade que aparentemente estava relacionada a períodos de recarga e de retirada de água do aquífero. Mas esse estudo foi feito em 2009, e os modelos hidrológicos que existiam no Brasil na época não eram bons o suficiente”.
O estudo indicou que as mudanças no efeito gravitacional do Guarani estão relacionadas aos períodos de carga e recarga do aquífero/ Fonte: acervo do pesquisador
Sendo o segundo maior reservatório de águas subterrâneas em solo nacional, o Aquífero Guarani é atualmente responsável pelo abastecimento de cidades no interior de São Paulo (Ribeirão Preto, por exemplo, é inteiramente abastecida com as águas do reservatório), Paraná e Santa Catarina (dados da Agência Nacional de Águas). Em 2010, foi descoberto o Aquífero Alter do Chão, potencialmente o maior do mundo, localizado na Região Norte do país. Apesar de o Alter do Chão possuir maior volume d’água, o Guarani permanece sendo mais utilizado - já que está mais próximo dos grandes centros urbanos. Assim, devido à maior proximidade, o Aquífero Guarani voltou a ganhar importância durante a crise hídrica enfrentada pelo Estado de São Paulo: no final de 2014, o governo do estado considerou abrir 24 novos poços no Guarani como meio de aliviar a crise hídrica. Atualmente, já existem mais de mil poços feitos no Aquífero somente no estado de São Paulo – a maioria deles localizada em áreas nas quais o Aquífero se recarrega.
A preservação das águas subterrâneas é essencial para o planejamento hídrico a longo prazo. Um estudo feito na Universidade de Califórnia Irvine, também utilizando os dados obtidos com o satélite Grace sobre o campo gravitacional, mostrou que 21 dos 37 maiores aquíferos do mundo são explorados a um nível insustentável: ou seja, o ciclo hídrico natural não consegue repor o volume de águas retirado para consumo humano. Diante desse cenário, Molina afirma que os satélites capazes de medir variações no campo gravitacional podem ser elementos importantes para monitorar as reservas de água subterrâneas, caso disponhamos de modelos hidrológicos mais completos: “Se a gente tivesse acesso a um bom modelo hidrológico do Aquífero Guarani, com muitos dados, poderíamos ligá-los mais facilmente aos dados obtidos pelo Grace e obter uma resposta mais precisa, o que poderia ser um indicador do quão explorado o Aquífero está sendo”. Diante desse cenário, o aprimoramento e a maior utilização das técnicas geofísicas, em particular a gravimetria, ciência que estuda a distribuição de massa da Terra a partir dos elementos do seu campo de gravidade, tendem a se expandir cada vez mais: “Tem muita coisa que, implícita ou explicitamente, é comandada pela gravidade. Os cientistas estão tentando usar essa informação do campo da gravidade para mapear as massas subterrâneas, para entender o campo de gravidade e usá-lo para exploração. E, cada vez mais, precisamos de informações mais precisas sobre esse campo”, conclui Molina.