Doenças bacterianas são extremamente comuns e corriqueiras. Dessa forma, entender a maneira como esses organismos funcionam é essencial para saber como combatê-los. E foi a isso que o pesquisador André Pulschen - do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, orientado pelo professor Frederico José Gueiros Filho - se dedicou em seu estudo de doutorado: compreender os meios pelos quais as bactérias percebem o ambiente ao seu redor e como reagem a situações de perigo. Com isso, foi possível aprender como o metabolismo desses seres unicelulares se comporta frente à presença de antibióticos e, assim, especular como potencializar a ação dos medicamentos antibacterianos.
Antibiótico como defesa natural
Por ser um organismo simples, a bactéria recebe estímulos externos de maneira diferente do que os seres mais desenvolvidos. Quando se sente ameaçada, ela libera um alarme dentro de si, um “alarmônio” - jargão usado pelo pesquisador, que vem da junção de alarme com hormônio -, que induz o metabolismo da célula a parar, fazendo com que o desenvolvimento e o crescimento cesse. E ela permanece assim até que a ameaça, que pode ser um antibiótico, desapareça. Quando isso ocorre, a bactéria volta a se desenvolver normalmente. “Temos o costume de associar o antibiótico com algo medicinal, apenas. Mas não é assim. Na verdade o antibiótico é produzido por outros organismos na natureza, como forma de defesa”, afirma Pulschen. A isso se deve o fato da existência de um sistema de defesa contra antibióticos nas bactérias; trata-se, na verdade, de uma defesa da guerra química que ocorre entre micro-organismos na natureza.
Esse alarme é a chave para eliminar as bactérias nocivas de um possível hospedeiro. Como é esse sistema de aviso que promove a sobrevivência do organismo, desligá-lo seria a solução do problema, pois a célula não conseguiria perceber o perigo e, portanto, não se prepararia contra ele. Na pesquisa desenvolvida, a proteína RelA produtora do sinal de alerta foi apagada, através de deleção genética em bactérias da espécie Bacillus subtilis. Foram separadas duas populações da bactéria: uma com o sinal geneticamente deletado, e a outra com o sinal presente. Nas duas foi aplicado o mesmo tipo de antibiótico bacteriostático (que consegue apenas parar o crescimento da bactéria, e não a matar). O grupo no qual o sinal de alarme não foi apagado se manteve com as atividades metabólicas paradas, sem morrer. Já o outro grupo morreu. “Na verdade, essas bactérias acabam se matando. Como elas não percebem a presença do antibiótico, elas continuam a crescer e a se desenvolver, enquanto o antibiótico danifica-as por dentro. Ela cresce sem parar, até que estouram como uma bexiga mesmo”, acrescenta o pesquisador. Com isso, um antibiótico do tipo bacteriostático foi potencializado ao nível de um antibiótico bactericida (capaz de matar as bactérias) com efeito otimizado.
Busca pela droga
A segunda parte da pesquisa é: encontrar uma droga que possa ser ingerida pelo paciente e que promova esse desligamento do “alarmônio”. Segundo Pulschen, uma das maneiras usadas para determinar drogas para situações assim, seria através de simulações feitas por computação. Por meio de cálculos realizados pelo computador, poderia-se estimar que substância interage com a proteína de interesse. “O problema é que, para isso, é necessária a estrutura cristalográfica da proteína, uma imagem tridimensional dela. Mas infelizmente tal estrutura cristalográfica completa de RelA não existe. Nem por meio da técninca de difração de raios consegue-se um desenho completo dela”. O que resta, é realizar uma triagem ou screening, ou seja, testar a interação da proteína com o maior número de drogas possíveis.
Já foram descritas por outros laboratórios substâncias capazes de interagir com a proteína produtora do sinal. A dificuldade é que essas drogas só são capazes de interagir com a proteína quando em situação in vitro, ou seja, com a proteína fora da célula. Essas drogas não são capazes de atravessar a membrana plasmática da bactéria e agir in vivo. Por conseguinte, qualquer interação que elas possam realizar é inútil. Por isso o screening será realizado nessa segunda etapa da pesquisa. “Nós já encontramos uma molécula em potencial, mas precisamos descobrir o que ela está fazendo dentro da bactéria, isto é, como ela está modificando esse sinal de alerta e quais são as implicações disso para o micro-organismo”, finaliza Pulschen.