À medida em que as técnicas reprodutivas em animais avançam, novas descobertas na área da fertilização são realizadas. No entanto, se por um lado o entendimento da fisiologia reprodutiva e o desenvolvimento de biotécnicas se mostram bastante avançados em mamíferos, a aplicabilidade desses métodos é, por vezes, impraticável em aves diante de suas particularidades anatômicas e fisiológicas.
Instigada a preencher essa lacuna teórica e as dificuldades existentes no âmbito da reprodução em cativeiro, a mestranda Mayra Frediani, juntamente com seu orientador, o professor Ricardo J. G. Pereira da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, busca oferecer uma alternativa aplicável aos programas de reprodução assistida através da padronização de determinados métodos. O estudo, ainda em andamento, já vem apresentando resultados positivos.
Quando os animais são mantidos longe de seu habitat natural, ou seja, encontram-se cativos em ambientes como santuários, criadores conservacionistas ou zoológicos, é recorrente o desenvolvimento de disfunções associadas ao sistema reprodutivo. “Existem diversos problemas relacionados à reprodução de animais nestas condições, os quais tentamos contornar aprimorando o manejo alimentar, adequando o ambiente às necessidades fisiológicas, comportamentais e sociais e prezando por sua saúde”, explica Mayra Frediani. “Porém, muitas vezes, é extremamente difícil criar um ambiente com os estímulos adequados à reprodução, e mesmo que haja um casal de animais, isso não é garantia de que eles copulem e gerem descendentes”.
A pesquisadora também conta que essas populações são comumente formadas por poucos indivíduos, fator que aumenta as chances de cruzamentos endogâmicos (entre membros da mesma família), ocasionando, assim, falhas genéticas na prole, como doenças, má formações e outras adversidades que podem resultar em morte precoce. Além disso, ela destaca que a própria infertilidade dos animais também é uma situação complexa, levando em consideração que sua detecção dificilmente acontece antecipadamente.
Realizada na Fundação Parque Zoológico de São Paulo, a grande novidade da pesquisa de Mayra encontra-se na eletroestimulação como método de coleta do esperma. Como o objetivo do estudo é abranger a maior diversidade de espécies possível, os testes vêm sendo realizados com um grupo experimental composto por aves aquáticas, aves de rapina, tucanos, psitacídeos e galiformes.
Diferenças entre métodos tradicionais de coleta e a eletroestimulação
A colheita de sêmen em aves pode ocorrer de duas maneiras: colaborativa ou não colaborativa. No caso da primeira, Frediani explica que ela resulta da ejaculação voluntária, com menor intervenção direta e manipulação do animal. Dentro das vantagens citadas, está o menor grau de estresse envolvido e amostras pouco ou nada contaminadas com fezes e urina. Por outro lado, ela só acontece em situações bastante específicas, geralmente em que a ave é criada pelo humano desde o momento da eclosão do ovo, como indica a pesquisadora.
O sêmen obtido através de maneiras não colaborativas, por sua vez, pode apresentar menor qualidade em termos de concentração espermática e pela presença de excreções na amostra, por exemplo. “Essas desvantagens, porém, são compensadas pelo fato de os métodos não colaborativos possibilitarem a colheita nos indivíduos de vida livre e cativos, o que não seria possível na colheita colaborativa”, conclui. Uma terceira técnica também é possível – utilizada desde 1953, a massagem dorso-abdominal seria eficiente se houvesse maior facilidade de condicionar os animais de vida livre ao estímulo, dada a dificuldade em contê-los para que o procedimento seja realizado.
Sobre a alternativa de eletroestimulação em desenvolvimento, Mayra confirma: “Apesar de levar a certo desconforto advindo da contenção física do animal e a manipulação do mesmo, a aplicação de corrente elétrica não deve envolver desconforto doloroso e por isso deve ser considerada uma importante técnica de coleta não colaborativa”.
Para a realização do procedimento, é utilizado um eletroestimulador para a aplicação de voltagens entre 0,6 a 4V, o qual também vem acompanhado por sondas de tamanhos variados. A sonda adequada ao indivíduo é inserida na cloaca do animal e, em seguida, são aplicadas séries de voltagens mínimas para que a estimulação nervosa de região pélvica e perineal aconteça. Com isso, o sêmen contido nos ductos deferentes é liberado na cloaca, podendo, dessa forma, ser recolhido para análise macro e microscópica. Todo o procedimento de colheita dura, em média, 5 minutos por animal.
Mayra Frediani analisa o material obtido através do método de eletroestimulação. / Imagem: GEMA (Grupo de Estudos de Multiplicação de Aves)
“Até o momento, pudemos obter sêmen em todos os animais testados, indicando que este método pode ter uma ampla aplicação. Quanto a eficiência do método em relação à qualidade seminal, ainda se faz necessária uma interpretação mais minuciosa dos dados. Porém, a contaminação das amostras por fezes e urina, que é uma das desvantagens apontadas por pesquisadores que utilizaram o método anteriormente, pudemos contornar utilizando voltagens mais baixas e fazendo prévio jejum alimentar e hídrico adequado de acordo com a espécie dos indivíduos”, declara ao falar sobre os resultados provisórios obtidos com a investigação. A pesquisa também tem evidenciado a existência de uma sazonalidade reprodutiva, sendo que o maior número de amostras de sêmen se concentrou entre os meses de julho e outubro.
Desafios e expectativas
Ao falar sobre os desafios encontrados durante a pesquisa, a mestranda destaca a importância da dedicação de toda a sua equipe, considerando o fato de algumas das espécies sequer possuírem parâmetros reprodutivos descritos na literatura. Outro fator decisivo é o cuidado exigido pela análise do sêmen em si. “As concentrações espermáticas geralmente são baixas e é preciso ter bastante atenção no momento de analisar ao microscópio para encontrar os espermatozoides. Durante a semana de colheita, muitos tratadores, aprimorandos, estagiários, técnicas de laboratório e chefes de setor são mobilizados para permitir o bom andamento do projeto”, aponta.
Caso seja confirmada a eficiência deste método de coleta, Mayra Frediani afirma que sua aplicação em programas reprodutivos será de grande valia. “Irá possibilitar, por exemplo, que se escolham os machos reprodutivamente mais adequados para compor as populações; irá viabilizar a inseminação artificial, permitindo até que o sêmen seja levado de uma instituição a outra, melhorando a variabilidade genética das populações. Poderemos, ainda, obter sêmen de animais de vida livre e inseminar fêmeas cativas, melhorando ainda mais essa variabilidade”.
Com a conclusão da pesquisa, ela também diz acreditar que os resultados obtidos auxiliarão nos próximos passos para a conservação das espécies, principalmente ao que concerne as áreas de biotecnologias reprodutivas e de conservação de material genético, de modo a “salvaguardar a diversidade genética e manutenção de nossa fauna”.