No Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada do Instituto de Ciências Biomédicas (LBEA - ICB-USP), a professora Andrea Balan coordena uma equipe de pesquisadores que estuda proteínas transportadoras de substâncias na membrana celular – estruturas responsáveis por fazer um canal ligando o interior das células ao ambiente no qual estão inseridas.
O grupo de pesquisa da professora Andrea, que trabalha exclusivamente com bactérias, avalia proteínas que ficam na membrana das células e que possuem a função de fazer um canal de transporte que serve de passagem de drogas e outras substâncias, como açúcares e nutrientes. Essas proteínas são chamadas de transportadores e são responsáveis por fazer essa ponte entre o interior das células e o meio no qual estas se encontram. Ou seja, essas estruturas são importantes para o desenvolvimento da fisiologia celular, já que são elas que farão o transporte de nutrientes usados no metabolismo e crescimento dessas bactérias. Um dos principais interesses dos pesquisadores é tentar desenvolver modelos que bloqueiam a passagem de moléculas pelos transportadores. Se a entrada de moléculas essenciais é barrada, logo o crescimento das bactérias é bloqueado.
Dentre os vários tipos de proteínas de transporte na membrana celular das bactérias, existe um grupo responsável por carrear apenas drogas. No entanto, ao invés de transportar as drogas de fora para dentro, esse grupo transporta de dentro para fora. Por exemplo, se uma pessoa tem uma infecção e é tratada com um antibiótico, a bactéria-alvo recebe esse antibiótico. Se as proteínas de transporte reconhecem o medicamento como algo que não vai cooperar com seu crescimento e desenvolvimento, rapidamente elas expulsam a droga para fora de seu organismo. “Quando as bactérias conseguem expulsar o medicamento, temos que aumentar a dose, o que pode levar ao aumento da resistência. Muitas vezes temos que mudar de antibiótico porque elas [as bactérias] conseguem burlar o nosso ataque”, esclarece a professora Andrea. Em humanos, essas proteínas de transporte são um dos alvos de maior interesse na indústria farmacêutica, uma vez que tais proteínas são responsáveis pelo que conhecemos como resistência múltipla a drogas.
Na tentativa de combater a resistência a medicamentos por parte das bactérias, a equipe da professora Andrea Balan procura desenvolver substâncias que poderiam impedir que as bactérias expulsem a droga de seu interior. São os inibidores. Os pesquisadores estudam a estrutura destas proteínas de membranas para identificar a melhor região de interação do fármaco, que teria a capacidade de impedir o funcionamento do transportador.
Caso ABC e a tuberculose
Dentre todos os transportadores existentes, a família dos transportadores ABC (ou ligadores de ATP) é de alta relevância do ponto de vista da saúde pois são responsáveis pela resistência a drogas. A professora Andrea, juntamente com seus pesquisadores, estuda esses transportadores na bactéria causadora da tuberculose, a Mycobacterium tuberculosis (nome científico do organismo).
Hoje, sabe-se que o tratamento da tuberculose é delicado, pois além de ser longo - cerca de 6 meses - são poucos os antibióticos eficazes no combate à doença devido à alta resistência por parte da M. tuberculosis. Segundo a pesquisadora, um dos motivos do aumento da resistência é o longo tempo de tratamento e abandono dos remédios pelos portadores da doença. As pessoas começam a tomar o remédio e logo param devido a melhora dos sintomas, favorecendo o aumento da resistência bacteriana ao medicamento. “Hoje já está muito difícil tratar um paciente com tuberculose porque temos que aumentar muito as doses. Várias drogas não funcionam mais. E isso não acontece só com a tuberculose, acontece com várias bactérias. Estamos na era dos antibióticos de 3ª, 4ª geração e ainda assim a gente tem problemas de infecção hospitalar com bactérias super-resistentes que muitas vezes levam à morte”, comenta a professora.
Estudando essas bactérias - as que causam tuberculose -, especificamente, e cruzando os dados obtidos com outras bactérias analisadas pelo grupo de pesquisa, a professora Andrea descobriu nos transportadores ABC uma região conservada, idêntica em todas as proteínas de transporte. Esses transportadores ABC trabalham no desenvolvimento de um inibidor que se ligue essa região conservada, pois assim o fármaco vai funcionar no tratamento de tuberculose e também de outras infecções bacterianas. “Ao mesmo tempo, nós ainda tentaremos com regiões pouco conservadas de cada transportador. Pois aí, nós podemos fazer uma droga mais específica para um determinado tipo de transportador. A forma de bloqueio é uma estratégia nova, nunca feita para este tipo de transportador”, acrescenta.
Os estudos, realizados in vitro, estão em fase inicial e têm sido realizados em parceria com a Universidade de Cambrigde, da Inglaterra. A professora ganhou o auxílio à pesquisa “Newton Advanced Fellowship” da Royal Society, juntamente com 35 outros bolsistas do mundo todo. O acordo está em processo de formalização com o ICB-USP e a Universidade de Cambridge. Além das passagens aéreas para o intercâmbio dos alunos, o patrocínio inclui verbas para laboratório. “É uma proposta interessante pois os estudantes são motivados e vão para o exterior fazer esse intercâmbio de conhecimento. O único empecilho são as burocracias da Universidade, nós conquistamos a bolsa no ano passado, mas até agora não conseguimos utilizar as verbas de laboratório”, lamenta a professora. Para ser formalizada financeiramente, a parceria precisa ser aprovada por várias instâncias e conselhos da USP. Apesar das verbas ainda não estarem disponíveis, os pesquisadores trabalham todo vapor e já têm obtido alguns resultados.