Experimente olhar para uma parede branca ou qualquer superfície de cor homogênea. Percebeu algo diferente? Risquinhos aleatórios aparecem e atrapalham a sua visão? Se não, você é uma pessoa de sorte. Se sim, bem-vinda (o) ao clube. A maioria das pessoas enxerga esses ‘risquinhos’, conhecidos pelos cientistas como moscas volantes. Mas, afinal por que enxergamos essas manchas? A professora Dânia Emi Hamassaki, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) começou a realizar recentemente uma pesquisa que procura caracterizar as causas desse tipo de ocorrência e o que é possível fazer para que elas não aconteçam.
Dânia explicou que o olho é composto por várias estruturas, sendo uma parte óptica que capta a imagem e uma neural, que processa essas imagens. A retina é a estrutura na qual se forma a imagem que enxergamos. Já o vítreo é um tecido originalmente gelatinoso que compõe o interior do globo ocular; além de estruturar a forma esférica do olho, o vítreo abriga células, denominadas hialócitos, cujo funcionamento é essencial para que o indivíduo possua uma boa visão.
Durante a investigação, os pesquisadores notaram que, conforme o envelhecimento, o vítreo sofre uma liquefação. Isso significa que a composição desse tecido, que a princípio se assemelha a uma gelatina, com o tempo vai ganhando um caráter mais aquoso e líquido devido ao envelhecimento do tecido. Esse fenômeno, que os cientistas chamam de liquefação do vítreo, é a principal causa de enxergarmos moscas volantes.
Além de provocar a sensação estranha de visualizar as moscas volantes, a liquefação do vítreo pode acarretar problemas mais sérios de visão como o descolamento de retina. Conforme o vítreo vai adquirindo uma forma mais líquida, a organização dos tecidos do globo ocular é alterada. Com essas alterações, o vítreo começa a exercer uma força de tração sobre a retina provocando seu descolamento, o que pode levar à perda da visão. “O vítreo tem áreas de adesão com a retina. Em alguns pontos, conforme ele vai se liquefazendo, pode acontecer dele se descolar parcialmente e tracionar a retina”, explica a pesquisadora. “Se ocorre o descolamento da retina, células importantes como os fotorreceptores podem morrer causando a perda da visão".
A professora conta com uma equipe no ICB para investigar esse e outros fenômenos da visão. Um dos pontos da pesquisa que mais chama a atenção é a célula de Müller. Essas células estão presentes em toda a extensão da retina e desempenham papéis importante na retina normal e degenerada, assim como no próprio vítreo. “Por exemplo, as células de Müller secretam substâncias que atuam como componente dessa matriz gelatinosa. Como os prolongamentos das células de Müller terminam muito próximos do vítreo, a ideia é tentar investigar fatores liberados por essas células e que poderiam levar à liquefação do tecido”, esclarece.
A equipe de pesquisadores do ICB busca - além de tentar conservar o caráter original do vítreo - como impedir os pontos de tensão sobre a retina. “Temos duas abordagens: manter o vítreo em sua estrutura original gelatinosa, independente do envelhecimento. Ao mesmo tempo, com o vítreo já liquefeito, buscamos como evitar a ocorrência dos pontos de tração durante esse processo”, conclui.