Um projeto em curso no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) tem como objetivo estudar as particularidades do clima urbano. O Mcity (Micrometeorology in the City) é uma iniciativa que busca estimar o balanço de energia na superfície das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e posteriormente em Belo Horizonte e Salvador. A pesquisa coletará dados sobre fluxos de calor latente e sensível, sendo o primeiro projeto no país a coletar essas informações em regiões urbanas de forma contínua. Um dos objetivos principais é, através da coleta de dados, quantificar e determinar as causas da ilha de calor nessas cidades.
Os dados do estudo são coletados através de três torres instaladas na região metropolitana de São Paulo, e uma instalada no Rio de Janeiro. Uma das torres foi instalada no prédio da Secretaria da Fazenda, na região central da cidade, e outra já encontrava-se previamente instalada dentro do campus Butantã da USP (zona oeste de São Paulo), no próprio IAG. Uma terceira torre foi instalada em Itutinga Pilões, em uma área de preservação da Mata Atlântica. O coordenador do projeto, Amauri Pereira de Oliveira explica que, desse modo, é possível comparar o comportamento das componentes do balanço de energia na superfície de áreas urbanizadas e não urbanizadas, e identificar de forma objetiva os processos físicos responsáveis pela formação e manutenção da ilha de calor de São Paulo. A meta é que as torres instaladas coletem dados durante um determinado período para que se obtenha uma amostra significativa: “A ideia é medir pelo menos durante 5 anos de forma contínua nas 3 torres e tornar estas medidas representativas das áreas onde estão instaladas, urbana (Secretaria da Fazenda), suburbana (IAG) e rural (Itutinga Pilões). Esse é o grande desafio observacional do trabalho”.
Imagem da torre instalada no IAG, campus Butantâ, zona oeste de São Paulo / Imagem: divulgação
A ilha de calor urbana:
A ilha de calor urbana é resultado do acúmulo de energia na superfície de uma cidade. Uma forma de calcular a quantidade de energia que está sendo acumulada é através da estimativa dos componentes do balanço de energia na superfície. “O balanço de energia é a soma de todos os fluxos de energia que chegam e que saem da superfície. A gente estima o quanto entra em cada interface e estima também quanto é produzido internamente pelas fontes antropogênicas”, explica Amauri. Dessa forma, será possível ter uma ideia melhor da real contribuição das atividades humanas para a formação da ilha de calor, um tema controverso na micrometereologia: “No caso de São Paulo, até bem pouco tempo atrás, imaginava-se que uma boa parte do calor que gerava a ilha de calor estava associado a fontes antropogênicas. E a gente fez um estudo e identificou que a contribuição das fontes antropogênicas é muito pequena", afirma o pesquisador. "Ela não consegue sustentar uma ilhar de calor da ordem de 8, 10 graus que a gente observa em São Paulo”.
Alguns dos principais fatores relacionados à formação da ilha de calor, e ao microclima urbano em geral, são a impermeabilização da superfície, a verticalização e a redução da vegetação. “Os resultados obtidos até o presente momento indicam que a ilha de calor em São Paulo é determinada em grande parte pela forma com que a superfície lida com a energia que vem do Sol, que é resultante da ação combinada desses três fatores”, explica Amauri. Esses três elementos também estão relacionados à baixa taxa de evaporação observada nas cidades, quando comparadas ao campo. "A quantidade de evaporação é muito maior na região rural. A gente consegue ver que existem dois regimes, mas em ambos os casos a região urbana está sistematicamente mais quente que a região rural".
O projeto representa um avanço no campo da micrometeorologia, por proporcionar uma descrição detalhada do conjunto dos processos físicos que ocorrem próximos à superfície urbana. “A nossa proposta é dar um passo extremamente importante que não foi dado ainda por ninguém no Brasil que é exatamente quantificar esses processos”, explica Amauri. A principal ferramenta do estudo são os aparelhos que permitem estimar os fluxos turbulentos de calor latente e calor sensível, a principais componentes do balanço de energia.
Os fluxos turbulentos geralmente não são medidos por exigirem equipamentos especiais (mais caros dos que os convencionais), além de requerem a utilização de técnicas matemáticas complexas de análise. Entretanto, são dados importantes para o planejamento urbano: "Se você sabe quanto de energia uma região urbana de São Paulo armazena, você pode desenvolver estratégias pra poder minimizar o impacto disso na temperatura, estratégias de ventilação, de refrigeração”, afirma Amauri. Um dos legados do projeto, na visão do pesquisador, será disponibilizar essa tecnologia e incentivar a implementação desse tipo de monitoramento micrometeorológico nos outras áreas urbanas país.