ISSN 2359-5191

25/08/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 109 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
Descobertas abrem novos campos na astrofísica
Previstas por Einstein há cem anos e detectadas recentemente, ondas gravitacionais oferecem informações e mecanismos para estudar buracos negros
Ilustração da colisão de dois buracos negros, origem das ondas gravitacionais (Imagem: Andy Bohn et al)

No início do ano um grupo de cientistas anunciou a detecção inédita de ondas gravitacionais, um fenômeno previsto por Albert Einstein na Teoria da Relatividade. No dia 15 de junho, cientistas confirmaram a existência do evento detectando-o novamente. A origem das ondas gravitacionais seria a fusão de dois buracos negros. A detecção é de grande importância para a ciência, pois as ondas gravitacionais carregam informações sobre o objeto que as emitiu. Deste modo, esses novos registros poderiam fornecer aos astrofísicos mecanismos para aprofundar as pesquisas com buracos negros, objetos que despertam a curiosidade e promovem debates entre cientistas.

Há cem anos, Einstein redefinia a gravidade, conceito que permanecia inalterado desde Isaac Newton. O físico percebeu que espaço, tempo, gravidade e massa tinham uma relação direta, sendo que os dois primeiros não seriam contínuos – como acredita a física de Newton – mas sim campos, que se distorciam com alguns fatores, como a própria gravidade. Segundo a Teoria da Relatividade, o tempo é relativo e, por isso, passa em um ritmo diferente, de acordo com o corpo analisado. Para um corpo em movimento, o tempo passa mais devagar, enquanto que para um parado, ele passa mais rápido. Essa diferença é imperceptível se considerarmos a vida terrestre cotidiana, mas, para uma espaçonave que se desloca a velocidades altíssimas no espaço, essa diferença é relevante.

Ainda pensando nesse conceito, Einstein definiu que, como consequência da alteração da velocidade do tempo, os corpos sofrem alterações de comprimento. Assim, quanto mais veloz um corpo, mais curto ele fica. Essa conclusão deu o gancho para a segunda parte da Teoria, a qual faz menção exatamente às ondas gravitacionais descobertas recentemente. Como o espaço é, na verdade, uma malha, então a gravidade não deveria mais ser considerada como uma força, mas sim uma distorção nessa malha.

Uma ilustração dessa ideia seria imaginar um pano esticado como o espaço, sobre ele coloca-se um pesinho, que pode representar o Sol, por exemplo. Esse peso deforma o pano, afundando-o e formando uma depressão. Para representar os planetas, pode-se jogar bolinhas em cima do pano, que irão circundar a depressão com o pesinho. Nesse exemplo simples, tem-se o que Einstein propôs para a gravidade: o Sol distorce tanto espaço ao seu redor que consegue manter os planetas em sua órbita. Ele descobriu ainda que, quanto maior a gravidade do corpo, mais lento é o ritmo de passagem do tempo.

Mas, onde se encaixam as ondas gravitacionais? Elas são um ponto a mais para comprovar o sentido da ideia de gravidade proposto. Quando dois corpos de campo gravitacional muito grande se chocam – por exemplo, se “dois Sóis” se chocassem –, esse choque geraria uma perturbação imensa para o espaço. Assim, a malha não conseguiria permanecer estável, gerando ondas de distorção que se propagam pelo espaço.

Comprovando a teoria de Einstein, essas ondas de distorção foram detectadas pelos cientistas. O que gerou essa perturbação foi o choque entre dois buracos negros, por isso a detecção das ondas gravitacionais é tão importante para a ciência. Até hoje, a única maneira de estudar um buraco negro era através da energia eletromagnética emitida por corpos ao seu redor. Com a detecção, será possível examinar as informações carregadas pelas ondas gravitacionais, aplicando esses novos dados nas pesquisas com buracos negros.

Vídeo divulgado pelo NASA mostra o momento em que estrela colide com um buraco negro

Buracos negros e a estrutura das galáxias

Em entrevista concedida ao portal AUN, o professor João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), explicou que buracos negros são objetos de grande densidade, extremamente compactos e que possuem a especificidade da aceleração gravitacional infinita. Isso significa que de lá de dentro - dos buracos negros - nada escapa. Nem mesmo os feixes de luz. “Quando ocorrem esses objetos tão compactos com aceleração da gravidade infinita, cria-se uma esfera de onde nada escapa, nem mesmo os feixes de luz. Por isso o nome buraco negro”, esclarece.

Um dos motivos que torna os buracos negros objetos relevantes de pesquisa é o fato de que as galáxias acabam se organizando em torno desses elementos. Steiner explica que existem dois tipos principais de buracos negros: os estelares (resultantes da implosão do núcleo de estrelas, e cuja massa varia entre algumas dezenas de massas solares) e os supermassivos (que crescem por fusão de outros buracos negros e por captura de gás, podendo chegar a ter milhões ou até bilhões de vezes a massa do Sol). Este último tipo, os supermassivos, são os encontrados no centro das galáxias: “Toda galáxia tem um. Ele acaba ficando no centro porque é onde existe o mínimo de energia”, afirma Steiner.

Entretanto, o docente do IAG ressalta que existem casos de buracos negros supermassivos que se encontram deslocados dos centros de suas respectivas galáxias. Isso pode ser causado devido à fusão de duas galáxias, e consequentemente da fusão dos buracos negros no interior de cada uma. Ao se fundirem, os objetos emitiriam ondas gravitacionais de forma assimétrica - ou seja, essas ondas seriam emitidas com mais intensidade para determinada região do que para outra, causando assim um deslocamento do buraco negro do centro da galáxia.

Além de serem núcleos, ativos ou não, das galáxias, os buracos negros estabelecem com o aglomerado de estrelas no qual se encontram uma relação proporcional de tamanho: ou seja, quanto maior a galáxia, maior o buraco negro em seu interior. Segundo o pesquisador, a massa do buraco negro, em média, é aproximadamente um milésimo do massa da galáxia no qual ele se encontra. “Isso levou a uma conclusão de que buracos negros e galáxias co-evoluem”, explica o astrofísico. “Eles são produtos de uma mesma evolução, e é por isso que as massas são proporcionais”.

Buracos negros e o Big Bang

Segundo a teoria do Big Bang, antes de o universo como conhecemos existir, o que havia era uma pequena área com uma concentração muito grande de massa que começou a se expandir, há aproximadamente 15 bilhões de anos, dando origem a tudo que existe. A professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) Elizabete Gouveia Dalpino, explica que é possível analisar esse fenômeno como semelhante a um buraco negro ao contrário. “O início do universo é como um buraco negro ao contrário. Tudo que cai em um buraco negro fica dentro, enquanto o universo, todo espaço-tempo, começou a ser a partir da expansão da singularidade”, explica.

Mas as teorias que relacionam o fenômeno do Big Bang aos buracos negros vão além: a partir da crença de que tudo surgiu do que seria o contrário de um buraco negro, especula-se que eles possam ser portas de entrada para outros universos. Segundo essas teorias, buracos negros seriam, literalmente, buracos, passagens no universo. Elisabete conta que “o buraco negro tem um campo gravitacional tão forte que encurva o espaço. Até o próprio espaço-tempo é engolido pela singularidade. Quando se cai dentro de um buraco negro, toda a noção de espaço e tempo é modificada” e, por isso, “há teorias que acreditam que cair em um buraco negro é como entrar em outro universo, porque sairia deste universo em que há causa e efeito. É como se as singularidades fossem buracos no nosso espaço-tempo, e passássemos para outro universo”.


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