ISSN 2359-5191

19/09/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 110 - Saúde - Instituto de Ciências Biomédicas
Tratamento da sepse precisa ser repensado
Pesquisa do ICB comprova que hipotermia e hipometabolismo são respostas reguladas do nosso organismo contra a infecção
Fonte: Cientista Beta

Quando ficamos doentes ou somos acometidos por algum tipo de infecção é muito comum desenvolvermos febre. Nosso organismo eleva a temperatura corporal, aumenta a taxa metabólica e amplifica a resposta imune – uma resposta adaptativa que desenvolvemos com o intuito de eliminar os agentes invasores que nos fazem mal. A sepse, entretanto, possui uma peculiaridade: 10% a 20% dos indivíduos acometidos pela infecção desenvolvem hipotermia ao invés de febre. Com o objetivo de elucidar essa questão, Alexandre Steiner e pesquisadores do Departamento de Imunologia do ICB, o Instituto de Ciências Biomédicas da USP, realizaram estudos com pacientes sépticos no Hospital Universitário e chegaram a uma conclusão importante: a hipotermia e o hipometabolismo nos estágios iniciais da sepse são respostas reguladas e adaptativas do nosso organismo ou, melhor dizendo, mecanismos de defesa contra a infecção.

Segundo sua definição mais recente, a sepse é uma infecção que causa o comprometimento de órgãos e tecidos e provoca uma inflamação sistêmica. O Brasil apresenta elevadíssimas taxas de mortalidade hospitalar por sepse e choque séptico, o estágio mais grave da doença que decorre do colapso do aparelho cardiovascular. Dos cerca de 400 mil pacientes diagnosticados anualmente, 60% são vítimas fatais. Tamanha fatalidade pode decorrer, em parte, do modo como a infecção é tratada atualmente.

Durante muitos anos acreditou-se que o metabolismo era uma função orgânica estável. Hoje, no entanto, sabemos que a taxa metabólica varia ao longo do dia e é fisiologicamente regulada. Depois de uma farta refeição, por exemplo, é comum sentirmos calor e transpirarmos. Com o intuito de promover a digestão, nosso organismo aumenta a taxa metabólica e naturalmente procuramos um ambiente mais fresco para contrabalancear a elevação da temperatura interna. Entretanto, o tratamento da sepse ainda se baseia nos preceitos antigos de que o metabolismo é uma função estática. Uma queda na taxa metabólica indicaria, portanto, que os órgãos e tecidos não estariam recebendo oxigênio e nutrientes suficientes ou estariam incapacitados de absorvê-los. A aplicação desse conceito resulta no combate ao hipometabolismo e à hipotermia apresentados por pacientes sépticos, pois esses fatores ainda são clinicamente vistos como resultados de desregulações térmicas e falência de órgãos que provocariam a piora da sepse.  Contudo, estudos realizados em 2014 pela equipe de Steiner desmentem essa ideia. “O metabolismo cai concomitantemente com a oxigenação e, de forma mais interessante ainda, cai de forma sincronizada, sem alterar a razão entre oxigenação e consumo de oxigênio”, explica Alexandre. Portanto, o consumo de oxigênio tecidual era regulado de forma preventiva para se equilibrar com a quantidade de oxigênio que chegava aos tecidos.

Os primeiros indícios de que a hipotermia e o hipometabolismo poderiam ser respostas reguladas e adaptativas do nosso organismo contra a sepse são provenientes de estudos com animais experimentais do FeverLab, o laboratório do professor Andrej Romanovsky. Aos ratos sépticos era concedida plena liberdade para escolher dentre dois ambientes: um quente, onde desenvolveriam febre, e um frio, onde desenvolveriam hipotermia. Os experimentos atestaram a natureza regulada da hipotermia, uma vez que os ratos com sepse grave naturalmente preferiam ambientes mais frios, mas não demonstraram de forma direta os benefícios decorrentes da mesma. Tal demonstração foi realizada posteriormente em 2012 pelo grupo de Steiner e Romanovsky. O novo estudo constatou que os ratos mantidos em ambientes frios apresentaram uma taxa de sobrevivência significativamente superior à dos ratos mantidos em ambientes quentes (60% contra 30%).

Com base nesses indícios, Steiner iniciou os estudos em pacientes sépticos que desenvolveram hipotermia e não foram reaquecidos pela equipe médica. Constatou-se que, em 97,1% dos pacientes analisados, a hipotermia era transitória, autolimitada (a temperatura corporal raramente baixava de 35°) e não terminal – características típicas de uma resposta regulada. Conclui-se, portanto, que a hipotermia não é parte da patologia a ser combatida, mas uma resposta proativa do nosso organismo para eliminar os agentes infecciosos.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a pesquisa de Steiner fornece fortes indícios de que a hipotermia e o hipometabolismo são benéficos na sepse, mas não comprova qual é a melhor forma de tratar a infecção. Também há de se ressaltar que o estudo contemplou apenas pacientes nos estágios iniciais da sepse, ou seja, ainda não sabemos se esses dois fatores também são regulados nos estágios finais da doença. Para que a conduta terapêutica da sepse seja efetivamente substituída ainda é necessária a realização de estudos prospectivos com randomização de pacientes – um grupo receberia o tratamento convencional enquanto o outro não seria reaquecido após o surgimento de hipotermia. Os resultados desse estudo revelariam qual, de fato, é o melhor tratamento.

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