Sabemos, desde as nossas aulas de biologia básica no ensino fundamental, que as bactérias são seres unicelulares. Aprendemos também que elas estão por toda parte e são muitas – o corpo de um único ser humano abriga trilhões de bactérias de milhares de espécies diferentes. Mas como uma solitária célula é capaz de enfrentar agentes químicos e físicos, como oxidação e variação de temperatura, e se adaptar para sobreviver? Para compreender os mecanismos moleculares de como essa resposta acontece, quais genes são induzidos em cada situação, o que esses genes codificam e que proteínas são geradas para manter as bactérias vivas frente a uma situação de estresse, a professora Marilis Marques, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB), se dedica desde 1996 a essa linha de pesquisa com o intuito de construir uma sólida base teórica. A pesquisa é um projeto temático da Fapesp que conta com a colaboração de Tie Koide, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Phillip Klebba, da Universidade de Kansas State, e Ben Luisi, da Universidade de Cambridge.
O laboratório trabalha com a Caulobacter crescentus, uma bactéria aquática de vida livre que possui uma peculiaridade: origina duas células fisiologicamente diferentes durante o ciclo de divisão celular. Por ser uma bactéria ambiental, não patogênica, e possuir um ciclo celular complexo, que fornece uma visão muito mais detalhada dos processos celulares, a Caulobacter é um excelente modelo de estudo de diferenciação celular e resposta a estresses. Embora os experimentos sejam realizados com esta bactéria específica, os mecanismos moleculares que geram uma resposta a situações de estresse são comuns a um grande grupo de bactérias, incluindo as patogênicas, por exemplo. “A pesquisa não é aplicada, mas tem potencial para ser extrapolada para vários outros campos que precisam entender como as bactérias funcionam para poder controlá-las. Se a gente não conhecer o inimigo, não podemos combatê-lo. Nem utilizar as bactérias que nos podem ser úteis”, explica a professora Marilis.
O objetivo da pesquisa é, fundamentalmente, compreender os mecanismos moleculares que envolvem todo o percurso do sinal, desde a indução de uma situação de estresse, passando por como esse estímulo é captado e sinalizado para o interior da célula, até a conversão do sinal em uma resposta. Atualmente, o principal foco da pesquisa envolve o metabolismo do ferro – como as bactérias adquirem ferro, que sistemas regulatórios e genes estão envolvidos e como a bactéria reage a situações de escassez de ferro e de oxidação.
Com o intuito de descobrir que genes estão relacionados a determinados estímulos externos, o laboratório realiza uma análise global de transcrição de RNA, ou seja, todas as moléculas de RNA que estiveram presentes na célula durante o intervalo de tempo em que uma situação de estresse foi induzida são sequenciadas e analisadas. Esta análise permite, portanto, que se conheça quais genes foram ativados para a produção dos RNAs e quais proteínas foram transcritas por esses RNAs para defender a célula contra determinados estímulos.
A pesquisa também não se resume apenas em identificar quais genes são ativados para desencadear a resposta a uma situação de estresse. O principal desafio do laboratório reside no estudo da genética funcional, que visa atribuir com precisão a função de cada gene. As descobertas desse estudo possuem enorme potencial, uma vez que determinados grupos de genes das bactérias analisadas também estão presentes em diversos organismos, incluindo os próprios seres humanos. Descobrir a função de um novo grupo de genes da bactéria permite descobrir a função desses genes em muitos organismos. “Trabalhar com bactérias traz uma grande vantagem em relação a organismos mais sofisticados. É possível mutar facilmente os genes. Você pode deletar uma sequência do DNA e ver o que acontece com a célula para tentar entender o que aqueles genes fazem.”