No dia 19 de março, foi exibido, no ICB, o documentário My Architect - A Son’s Journey. O professor Jackson C. Bittencourt, que exibiu o documentário para os novos alunos, conta que foi apresentado ao documentário em uma das reuniões científicas do Instituto Salk, local onde já trabalhou como pesquisador diversas vezes. “Na última vez em que eu estive lá [no Instituto Salk], eles passaram esse documentário. Da mesma forma como temos as reuniões científicas aqui, eles têm lá e vai todo mundo. Os pesquisadores que estão lá, os que são Nobel, por exemplo, o Roger Guillemin, prêmio Nobel de 1977, além de outros grandes nomes da ciência mundial.” O que o motivou a trazer a arquitetura para a reunião científica foi que “a vida do arquiteto é muito interessante, eu acho que como nós homenageamos o Niemeyer, existem outros arquitetos que são tão bons quanto e contribuíram para o engrandecimento da ciência no mundo e fizeram esse tipo de obra [como o Instituto Salk], mostrando para o mundo que os locais onde se faz ciência também são muito interessantes. Ele [Nathaniel Kahn] acaba descobrindo que o pai morreu de uma forma que ele não sabia como tinha sido nem onde tinha sido. E faz uma retrospectiva da vida e da morte do pai. [...] É mais um entretenimento, mas como tem um conjunto de interseccção entre arquitetura, ciência e a vida de uma pessoa interessante, eu resolvi passar, logicamente, também pela paixão que eu tenho pelo Instituto [Salk]”.
O documentário
Indicado ao Oscar em 2004, My Architect - A Son’s Journey trata da vida profissional e pessoal do arquiteto Louis I. Kahn e foi produzido por seu filho, Nathaniel Kahn, em uma tentativa de entender mais sobre a conturbada vida do pai. Em uma jornada para construir a identidade de Louis Kahn, Nathaniel visita todas as suas obras, conversa com familiares, amigos, colegas de trabalho, “esposas” e filhas do arquiteto.
O documentário começa com um pequeno depoimento de Nathaniel sobre as lembranças que tem de seu pai. Depois ele inicia sua caminhada. A primeira parada é o edifício da galeria de arte de Yale, o primeiro de grande porte construído por Kahn. Depois disso ele segue um caminho cronológico das obras, passando pelo Instituto Salk, pela sinagoga em Jerusalém, pelo Crazy Boat e a mega imponente estrutura de Bangladesh, terminada somente sete anos após sua morte. Durante a viagem, ele conversa com arquitetos, amigos de seu pai, que falam da importância de sua obra. Um deles é Shamsul Wares, de Bangladesh, que, em um depoimento emocionado, fala que Kahn lhes deu “democracia” ao viabilizar e projetar a construção do que hoje é o parlamento local.
Muito misterioso em sua vida pessoal, Louis Kahn teve relações familiares muito conturbadas. Casou-se em 1930 com Esther Israeli, com quem teve uma filha: Sue Ann. Após 1945 inicia um relacionamento extraconjugal com uma de suas colegas de trabalho, Anne Tyng, relação da qual nasce Alexandra Tyng. Na década de 60 começa outro relacionamento. Desta vez com Harriet Pattinson, com quem tem Nathaniel. As duas relações sempre foram escondidas da mulher Esther, que Nathaniel cita no documentário que foi, possivelmente, “a única coisa constante na vida dele [Louis], sua base, talvez seu lar”. Mesmo assim, Harriet acredita que ele estava disposto a mudar isso, a passar a viver com ela e Nathaniel e, por isso, teria raspado o nome em seu passaporte, o que dificultou sua identificação em 1974, quando ele morreu, endividado, na estação Pensilvânia, devido a um ataque cardíaco, após voltar de uma viagem a Bangladesh. A conversa de Nathaniel com as meio-irmãs no documentário retrata bem como foi a relação entre as famílias de Louis: conhecimento da existência e desconforto.
Diferentemente de muitos documentários biográficos, neste os fatos e dados não são o centro da história. O centro é toda a emoção da busca de cinco anos de um filho por quem foi seu pai.
O arquiteto
Louis I. Kahn nasceu na Estônia (na época parte do Império Russo) em 1901 como Itze-Leib Schmuilowsky. De uma família judia pobre, imigrou para os Estados Unidos em 1906 por causa da Guerra entre Rússia e Japão. Foi naturalizado americano em 1914 e teve seu nome mudado por seu pai para Louis Isidore Kahn em 1915.
Apesar de não muito conhecido no Brasil, suas obras são consideradas por alguns autores como um dos fenômenos mais significativos entre o moderno e o pós-moderno.
Admirador de Le Corbusier e da arquitetura clássica, dedicou muito tempo ao estudo das estruturas de tijolos. Demorou muito a encontrar seu estilo como arquiteto. Segundo Mônica Junqueira, professora de história da arquitetura da FAU-USP, a partir de 1951, fruto de sua intensa experiência prática, que sua obra atingiu uma maturidade, com a qual conseguiu articular as várias referências, sem, contudo, a elas se prender. Trabalhando com a ideia do "passado como amigo" e de que cada edifício tem sua essência, Kahn conseguiu superar a crise da arquitetura moderna, propondo uma síntese entre tradição e modernidade.
Como relata a professora, “Kahn também reintroduziu as regras de composição acadêmica, sob uma ótica moderna: a recuperação da hierarquia dos espaços; da monumentalidade; [...] da repetição de formas, da justaposição e intersecção geométrica”.
Kahn é também uma das maiores referências do último quarto do século 20, principalmente para aqueles que tentaram romper com os dogmas modernos. Com uma vida singular tanto pessoal quanto profissionalmente, Louis Kahn é uma daquelas pessoas que marcam uma época.