Imre Simon

 

 
por
Paulo Noviello
Na edição passada da Espaço Aberto contamos a história da Comissão Central de Informática, órgão da USP responsável pela computação na Universidade. Um dos idealizadores da comissão, o professor Imre Simon, é uma das maiores autoridades na área de informática do Brasil, e sua história profissional se confunde com a evolução dessa que é uma das ciências que mais rapidamente se desenvolveram nos últimos 40 anos.

Simon começou a vida em um local e época bastante atribulados. "Nasci em Budapeste, na Hungria, em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial. Não lembro da guerra, mas a vida no pós-guerra continuou sendo bastante difícil. A minha família queria sair da Hungria há bastante tempo, e em 1957, ano do levante comunista, viemos para o Brasil", recorda.

Apesar dos problemas na terra natal, Simon recebeu uma boa educação, que completou em São Paulo. "Acabei o colegial e em 1962 entrei na Escola Politécnica, para fazer o curso de Engenharia Elétrica com especialização em eletrônica. Meu primeiro ano na faculdade foi marcado pela greve dos alunos. Foi uma greve nacional, para pressionar por um terço de participação discente nas decisões das universidades, então pouco aprendi nesse primeiro ano."

Escola Politécnica

Quando o curso começou para valer, Simon teve o primeiro contato com o que seria seu companheiro de trabalho por toda a carreira: o computador. "A USP havia acabado de adquirir seu primeiro computador, o IBM 1620, que começou a ser usado pelo professor José Otávio Monteiro Camargo em suas aulas de cálculo. Aliás, a minha turma foi a última da Poli a ter aulas de cálculo sem o auxílio do computador, usando as réguas", afirma o professor.

Simon tem lembranças curiosas do tempo de estudante. "Minha turma foi a primeira da Poli a fazer todo o curso na Cidade Universitária. Aqui era um fim de mundo. Para se ter uma idéia, a estrada que chegava aqui era de terra. Havia apenas dois lugares para comer, e ônibus, só duas vezes por dia. Eu lembro que descia a avenida Rebouças, que naquela época era uma pista de alta velocidade, todo dia para vir para cá. Como não havia trânsito, o pessoal saía voando na descida. Pelo menos uma vez por semana acontecia algum acidente grave. Outra coisa que marcou muito esses primeiros anos da Cidade Universitária foi uma paineira gigantesca que havia na confluência da Francisco Morato, Vital Brasil e a Waldemar Ferreira, que ia dar na USP. Ela dominava totalmente a paisagem, por isso os estudantes chamavam o local de 'Praça da Árvore'. Hoje se você passar lá é só concreto", lamenta.

Av. Luciano Gualberto

 

Nesses primeiros anos, quase não havia pessoas habilitadas a usar o computador. "Foram contratados alguns estagiários para aprender a programar no IBM, e eu fui um deles. No começo eram programas extremamente simples, mas pouco a pouco a coisa começou a se desenvolver e a demanda pelo computador ficou muito grande. Logo a capacidade de memória dele se esgotou, afinal, ele tinha apenas 12 mil posições de memória, o que equivale a 12 Kbytes. Hoje qualquer agenda eletrônica tem pelo menos 12 Megabytes, ou mil vezes a capacidade do 1620", recorda Simon.

Ao se formar na Politécnica, ele foi fazer mestrado e doutorado na Universidade de Waterloo, no Canadá, na área de Teoria da Computação. "Era uma área muito recente, até nos países desenvolvidos. Mesmo no Canadá era difícil ter acesso à informática, então nós estávamos meio que tateando nessa época", lembra Simon. Voltando para o Brasil, ele começou a lecionar no recém-criado Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística. Enquanto se dedicava à área acadêmica, não se descuidou do aspecto prático da profissão e continuou programando e desenvolvendo softwares para as mais diversas demandas. "Nessa época já tínhamos o Burroughs 2500, um computador top de linha que era usado em diversas áreas de atuação. Por exemplo, na época do 'milagre brasileiro', o ministro da Fazenda, Delfim Netto, pediu à FEA uma maneira de se calcular a inflação semanalmente. Eles vieram a mim e eu desenvolvi o primeiro programa de computador que calculava o índice de inflação. Com os índices calculados quase instantaneamente, a política econômica se desenvolveu muito", explica Simon.

Imre Simon

 

O departamento de Ciência da Computação do IME foi pioneiro no ensino de informática no Brasil. "Não há dados precisos, mas se não fomos o primeiro curso de graduação em Ciência da Computação no Brasil, fomos um deles. Apesar de todas as dificuldades, como a impossibilidade de adquirir os equipamentos mais modernos por causa da Lei de Reserva de Mercado, nós sempre nos mantivemos com um currículo razoável, sempre o adaptando para acompanhar a rápida evolução tecnológica", afirma Simon, que foi também vice-diretor do IME.

A área de Teoria da Computação, na qual Simon se especializou, é uma das mais complexas e também talvez a mais importante para o desenvolvimento da informática. "A Teoria da Computação diz respeito principalmente à maneira como os dados são dispostos e armazenados em um sistema digital. Como organizar esses dados para que eles façam sentido. Se hoje há um programa como o Google, que busca dados instantaneamente em um universo de bilhões de páginas da Internet, é por causa desses fundamentos que há 40 anos a Teoria da Computação dita", explica o professor.

Já nos anos 80, Simon voltou a se envolver mais com o aspecto prático da informática, devido ao seu interesse num novo tipo de computador: os PCs (computadores pessoais, ou micros). Seu fascínio pelos PCs o fez se interessar mais pela política de informática que a USP e, por que não, o País adotariam. "Em 1981 foi criada a Comissão Central de Informática, presidida inicialmente pelo professor Oswaldo Fadigas Torres. Em 1984, o Fadigas se afastou da comissão. Até então, todos os computadores da USP eram centralizados pelo CCE. Quando fui chamado para integrar a CCI, minha idéia e da maioria dos membros era patrocinar a forte descentralização da computação, espalhando computadores de menor porte por todas as unidades da USP. Esse processo dura até hoje, e foi possível graças ao desenvolvimento dos microcomputadores e da rede."

Imre Simon

 

Simon presidiu a CCI entre 1994 e 1998, e durante a sua gestão houve grandes avanços, principalmente com o advento da Internet. "Nós criamos uma rede interna eficiente e de alta velocidade, que ligava todas as unidades da Cidade Universitária. Posteriormente ligamos os campi do interior, onde criamos centros de computação próprios em cada campus. Também colocamos a USP na Internet, com a criação do USP Online, e informatizamos nossas bibliotecas, com o Sistema Dedalus", enumera.

Desde o fim de sua gestão, Simon está aposentado. Mas não pretende parar de dar suas aulas no IME. "Enquanto houver disposição eu continuarei dando minhas aulas. Além disso, estou envolvido em um grande projeto da Fapesp, a Incubadora de Cooperação Virtual de Conteúdos Digitais, um programa ambicioso que pretende usar o ciberespaço como um grande fórum de cooperação intelectual, principalmente para o desenvolvimento de novas tecnologias. É um trabalho cansativo, e quem sabe quando for concluído eu vá dar uma descansadinha", diverte-se.

Nestes 47 anos no Brasil, Simon ainda teve tempo de construir uma família de dar inveja. "Me casei com uma húngara que conheci aqui no Brasil e tive três filhos. O mais velho trabalha na Phillips em Seattle, nos EUA, desenvolvendo sistemas de ultra-som. Tem doutorado pela Universidade de Michigan na área de Mecatrônica. A minha filha do meio é professora assistente na área de UTI Pediátrica da Faculdade de Medicina da universidade norte-americana de Yale. O caçula está no segundo ano de Engenharia Elétrica na Poli", orgulha-se esse húngaro que adotou o Brasil para viver, e que ajudou muito seu país de adoção a se desenvolver tecnologicamente, apesar de todas as dificuldades de uma nação com tamanha dependência tecnológica.

Imre Simon