Proin - Projeto Integrado do Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo
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12 ANOS DE PROIN

Um projeto integrado de pesquisa é, antes de mais nada, expressão de sociabilidade, troca de experiências, respeito a diversidade de pensamento e metodologias de trabalho. Os resultados de um projeto integrado entre duas ou mais instituições públicas é, por sua vez, símbolo de vitórias conquistadas, expressão do nosso caminhar democrático. Enfim, em um projeto integrado nada é insignificante: tudo e todos têem importância. Foi com este espírito que nasceu o PROIN - Projeto Integrado Arquivo do Estado/ Universidade de São Paulo, uma extraordinária experiência pedagógica e científica que conseguiu conjugar dois objetivos: o resgate da memória política nacional e a formação de pesquisadores em nível de excelência. No entanto, a execução deste projeto só se tornou possível por estarmos diante de uma exceção, ou seja: a adoção de uma política que dá ênfase a premissa de livre acesso aos documentos sob a guarda dos arquivos públicos, respeitando os princípios da Lei Federal 8.159/91: de não colocar em risco a "segurança da sociedade e do Estado" e nem violar a "imagem e honra" da pessoa humana. Aliás, uma dicotomia tradicional no campo jurídico que trata das dissimilitudes entre o direito público e o direito privado. E o Arquivo do Público Estado de São Paulo, no rastro de prolongados debates públicos, encontrou uma solução de equilíbrio para dois pressupostos do Direito: o da coexistência e o da autolimitação das liberdades. Desde 1991, o fundo DEOPS havia sido transferido da Polícia Federal para a Secretaria de Estado da Cultura que o colocou sob a tutela do Arquivo do Estado de São Paulo, sediado no antigo prédio da Rua Antonia de Queiróz, na Consolação. Importante atuação, cabe ressaltar, teve Ricardo Otake, então Secretário de Estado da Cultura. Foi na trama deste contexto de abertura democrática que surgiu o embrião que suscitou a criação do PROIN, alguns anos depois. Em 1994 permitia o livre acesso a documentação do Fundo DEOPS e atribuía ao consulente, atravéspor meio da assinatura de termo próprio, a responsabilidade pelo uso das informações contidas naqueles documentos [Secretaria da Cultura, Resolução no 38, de 27 de dezembro de 1994]. Tudo começou em 1995 quando recebemos apoio e incentivo do Prof. Dr. Nilo Odália, então diretor técnico do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Nesta ocasião, o Prof. Nilo contava com a assessoria de Lauro Ávila Pereira que, a partir deste encontro, passou a nos acompanhar em busca de alternativas para pesquisa histórica. As sugestões não eram muito animadoras, pelo menos naquele momento: a busca só poderia ser facilitada se as fichas cadastrais fossem digitalizadas.

A proposta mais viável seria de organizá- las sob a forma de um Banco de Dados com a ajuda da informática. Mas o Arquivo - assim como tantos outras instituições públicas - não dispunha de funcionários e nem de verbas para tal empreendimento heurístico. Oferecia-nos, isso sim, o acervo e um espaço precário para nos instalarmos como pesquisadores. O tom era desafiador, instigante. Esta aproximação feliz se deu graças a postura democrática de Nilo Odália, historiador experiente e de bom senso que compreendeu as inquietações dos pesquisadores preocupados com os silêncios propositais da História. Trazíamos algumas experiências negativas de acesso a documentação diplomática do Arquivo Histórico do Itamarati que, até então, mantinha seus textos sagrados fechados "a sete chaves". Acostumados aos desafios, tomamos como princípio o consagrado artigo XIX, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que correlaciona a transparência do poder com a liberdade de opinião e de expressão, ou seja: de que todo cidadão tem o direito de procurar, receber e difundir informações objetivando "a igualitária participação da cidadania na esfera pública". Lembrei-me de uma citação de Celso Lafer que, ao discutir a diplomacia e transparência do Arquivo do Itamarati sob o viés da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991, afirmara que "este direito tem como fundamento filosófico o sapere aude kantiano, pois o uso público da própria razão, que enseja a ilustração e a maioridade dos homens, pede uma informação exata e honesta, ao alcance de todos, sem a qual existem súditos mas não-cidadaãos". [Lafer, 1989] A idéia de ser um súdito, e não um cidadão com direitos e deveres, nos incomodava. O fato de o governo brasileiro ter mantido uma Polícia Política em ação entre 1924-1983 era o melhor exemplo de que os ideais democráticos não haviam sido cumpridos, com a sombra do abuso do poder e da mentira oficializada. Prolongar os prazos do sigilo se prestava apenas para acobertar os nomes dos perpetradores que, "em nome da Pátria e da Segurança Nacional", violavam os direitos humanos fazendo calar as vozes da resistência. Correspondendo àas nossas inquietações, Nilo Odália endossou a idéia de formarmos uma equipe de pesquisadores dedicada a inventariar os documentos do DEOPS/SP. A proposta surgia em caráter emergencial como resposta a uma realidade concreta:

Como localizar informações em um acervo inédito, composto por cerca de 1.500.000 fichas e aproximadamente 163 .000 pastas/prontuários?

Como estudiosos da história política e das práticas intolerantes no Brasil, nos interessava descobrir os casos de mulheres judias e estrangeiras que, assim como Olga Benário, haviam sido perseguidas e expulsas do Brasil durante o governo de Getúlio Vargas. Era como procurar uma agulha no palheiro. Como localizar essas "outras" mulheres ("sediciosas", "subversivas da ordem") através das fichas cadastrais do Fundo DEOPS/SP ? Não sabíamos seus nomes, não conhecíamos seus rostos e, muito menos, suas trajetórias. O primeiro desafio havia sido lançado: sem uma lista nominal, ainda que preliminar, não conseguiríamos chegar aos números dos prontuários onde, possivelmente, estariam as informações sobre a vida dessas mulheres e outros tantos agentes anônimos da história política e social do Brasil. O Fundo DEOPS se apresentava como um grande novelo de linha, com vários segmentos, sem nó, sem começo e nem fim: um reservatório da memória. O primeiro passo foi de apresentar um pré-projeto junto ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

De imediato, a proposta de inventariar os prontuários do Fundo DEOPS/SP foi endossada por esta unidade acadêmica que, em 1995, estava sob a responsabilidade dos professores Dra Raquel Glezer e Dr. Norberto Luiz Guarinello. Recebemos apoio institucional e infra-estrutura (ainda que mínima) para iniciar nossas atividades de pesquisa junto ao Arquivo Público do Estado. Nas gestões seguintes nos apoiaram a querida e saudosa amiga Profª Dra Ilana Blaj (in memorian), Profª Maria Ligia Prado, Profª Maria Helena Capelato, Profª Zilda Yokoi, Prof. Dr. Jorge Crespan, Prof. Dr. Oswaldo Coggiola e Prof. Dr. Modesto Florenzano.


Fichário da "Ordem Oficial"/DEOPS - sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo, na
antiga sede da Rua Antônia de Queiróz, 1996, prédio que abrigou a Fábrica de Tapetes Santa Helena.

O mesmo incentivo recebemos em 1996 do Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira, diretor da FFLCH que, entusiasmado, sugeriu a redação de um Protocolo de Intenções celebrado entre a Universidade de São Paulo e a Secretaria de Estado da Cultura (Proc. 95.1.2163.8.6), firmando os compromissos de ambos os lados. Ao longo de dez anos, apoiaram a continuidade deste projeto todos os diretores da FFLCH: Dr. Francis Henrik Aubert, Dr. Sedi Hirano e, a partir de 2006, o Dr. Gabriel Cohn. Inicialmente convocamos para a pesquisa alguns alunos que frequentavam a disciplina de História do Brasil Independente II, sob a responsabilidade da Prof. Maria Luiza Tucci Carneiro. Atenderam ao chamado os graduandos Álvaro Gonçalves Andreucci, Ana Maria Dietrich, Eliane Bisan Alves, Fernanda Torres Magalhaes, Priscila Ferreira Perazzo, Viviane Terezinha dos Santos, Regina Célia Pedroso e Raquel de Azevedo.

"Dispondo de uma velha mesa de madeira doada pela FFLCH, algumas cadeiras usadas e dois arquivos de aço, nos instalamos numa "sala" improvisada nos fundos do Arquivo Público do Estado, sediado no velho prédio que, há décadas atrás, abrigara a Fábrica de Tapetes Santa Helena na Rua Antonia de Queiróz, Consolação".

Alguns técnicos do Arquivo Público do Estado, responsáveis pelo Fundo DEOPS, nos davam assessoria e dicas para a identificação da documentação: Fernando Braga, Alfredo Pimenta Leitão, Débora Cristina Santos da Silva, Marco Aurélio Vanucchi Leme de Mattos, Walmir Carlos Zerio e César Augusto Atti. Desta simbiose institucional - Arquivo/USP - nasceu a Oficina de História, uma prática pedagógica que estimula o ensino de História e a formação de pesquisadores em nível de excelência.


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