O presente ensaio parte da estória “Os chapéus transeuntes”, de Guimarães Rosa, que oferece o material linguístico a ser utilizado em duas possibilidades de atividades didáticas. Na primeira, é fornecida uma listagem de palavras inusuais ou neológicas encontradas no conto. Na sequência, uma outra lista (seguimos procedimento rosiano, que, como se sabe, adorava listas), agora de palavras dicionarizadas, tenta distinguir as nuances de expressões que gravitam ao redor do tema central do conto, a “soberba”, com o intuito de forçar a atenção ao detalhe e perceber que cada termo, por mais que seja aparentado a outros, é singular. A metodologia do artigo é descritiva, apresentando as duas sugestões de propostas didáticas, junto com seu material para aplicação (as listas). Já a metodologia das atividades é aberta, de acordo com o planejamento de cada professor, a partir das diretrizes expostas no artigo. O público-alvo dos dois exercícios pode ser de discentes do Ensino Médio ou mesmo de cursos de graduação em Letras. Como resultado, espera-se que o aluno se aproxime do autor considerado "difícil" através de um viés incomum que pode suavizar esse primeiro contato. Para além disso, despertar sua criatividade linguística latente (a partir da atividade um), bem como ampliar seu vocabulário de forma sistemática (com a atividade dois).
Esforço de interpretação de Primeiras estórias como texto que explora a autorreferência como instrumento de coesão entre os diversos contos. A escolha de um universo semântico que remete à própria literatura permite ler a coletânea como compêndio metapoético crivado de “sorrisos e enigmas” endereçados aos leitores. Por fim, cruzando alegoricamente vida e obra do autor, vê-se como a escritura do livro pode ter servido como purgante do “ranço da vaidade”, facultando a Rosa inclusive o ingresso na Academia Brasileira de Letras, no ano seguinte à publicação.
Em março de 1956, João Guimarães Rosa, antes mesmo de lançar Grande sertão: veredas (sua “autobiografia irracional”), anuncia em jornal o projeto de ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), apesar de sua condição de escritor praticamente inédito, por então. Foi a primeira entre três tentativas, todas marcadas por intenso desgaste emocional: somente sete anos mais tarde, em 1963, Rosa será finalmente eleito, quase à unanimidade. Paradoxalmente, passa a inexplicavelmente adiar a cerimônia de posse e vem a falecer exatamente três dias depois do evento postergado por quatro longos anos. Nos jornais do dia seguinte, chega-se até mesmo a anunciar que ele teria previsto a própria morte. Com base nesse enredo biopoético, buscamos “desentramar”, ao longo deste artigo, os indícios de uma narrativa metapoética em cujas linhas Rosa poderia ter eventualmente ficcionalizado sua relação com a poesia, com a planejada eleição, com a posse fatal e com a rivalidade própria aos membros da ABL, tal como se entrevê em “Desenredo”, de Tutameia – Terceiras estórias (1967). O presente ensaio percorre esse célebre prosoema em busca de elementos de reflexão sobre a seguinte questão genealógica: Quais são os limites entre ficção e biografia, entre narrativa poética e prosoema, entre estória e história, entre interpretação crítica e transcriação poética, entre imortalidade e pervivência, no caso de um autor que leva ao paroxismo derradeiro a noção de “autobiografia irracional”? Em outras palavras: Em sua genealogia, caberia ler “Desenredo” como um irreverente texto metapoético?
Este artigo parte de um pressuposto hipotético que jamais poderá se confirmar e menos ainda se infirmar, que jamais poderá se resolver ou se dissolver em toda sua plenitude, e por aí mesmo alcançará sua pervivência (na perspectiva do Fortleben benjaminiano) e imortalidade, por meio de múltiplas tentativas de interpretação-tradução. Trata-se de um koan protobiográfico legado por Guimarães Rosa a seus leitores, que abarca o conjunto de sua obra e alcança sua morte enigmática, previamente anunciada em vários de seus escritos e em múltiplas declarações sábia e parcimoniosamente lançadas ao vento por meio de eficazes passadores de vozes. Para explicitar os elementos desse koan, e com apoio no último e conclusivo verso lançado por Rosa (“as pessoas não morrem, ficam encantadas”), o conto “Conversa de bois” será percorrido em busca de eventuais pistas de convergência temática, que prenunciariam o desenredo de Grande sertão: veredas e a morte-ressurreição de Guimarães, ocorrida exatamente três dias após a posse na Academia Brasileira de Letras. Buscamos responder à seguinte questão, no que se refere à pervivência: o que se pode inferir das alterações incidentes entre a versão original do conto (constante em Sezão, 1937) e a efetivamente publicada em Sagarana (1946)?
Tal como na epopeia de Rama (herói de Ramayana), Augusto Matraga cumpre um período de banimento na mata, conduzido por um casal de “sadhus” (ascetas que se dedicam à vida espiritual) e um sacerdote. Em seu “ashram” (local ermo e selvático, destinado a práticas espirituais), Augusto aproxima-se dos desmunidos e dedica-se a meditação e preces, precisamente como Rama. Ao termo de sua ascese, Augusto confronta-se voluntariamente com seu duplo, Joãozinho Bem-Bem; ao final de uma coreografia marcial dedicada a Shiva, entrega-se à Bela Morte e alcança redenção e renome. O episódio espelha a missão para a qual Rama é predestinado pelos deuses: liquidar definitivamente Ravana, o demônio de dez cabeças. Em leitura contrastiva com textos de diversas origens, o conto “A hora e vez de Augusto Matraga” será percorrido em busca de eventuais pistas que permitam também perscrutar o sentido da morte de Guimarães Rosa, anunciada previamente em sua “autobiografia irracional” e amplamente inspirada no topos homérico da Bela Morte (καλòς θάνατος).
Abordagem alegórica de temas como o nome do autor, a função política da literatura, a relação da crítica com a obra literária e a intratextualidade, a partir de releituras de Tutameia – Terceiras Estórias (1967) de Guimarães Rosa.
Abordagem alegórica de temas como o nome do autor, a função política da literatura, a relação da crítica com a obra literária e a intratextualidade, com base em releituras de Tutameia – terceiras estórias (1967), de Guimarães Rosa.
Apesar de ser o último texto de ficção mais longo que Guimarães Rosa publicou em vida, o conto “Os Chapéus Transeuntes” não recebeu praticamente atenção da crítica especializada. Pretendemos, neste artigo, aventar uma interpretação da estória que compreenda sua escritura como resultado da “fricção entre biografia e ficção” (MARINHO, 2011, p. 247), demonstrando, a partir de pequenos biografemas (SOUZA, 2002), sua importância para o estudo da obra do autor mineiro.
A partir de coleção de biografemas de Guimarães Rosa – tomado aqui como personagem de seu próprio projeto singularíssimo de cruzamento de vida e obra – o conto “Os chapéus transeuntes” é lido como performance autoficcional; isto é, a escritura dessa estória pode ter servido de gesto de confissão e contrição do próprio Rosa, que assim expiaria seu pecado maior: a Soberba. A hipótese da pesquisa é que existe em vigência no aparato crítico um Rosa cor-de-rosa, tanto no sentido de atenuar sua “fala narcísica” (CHAUVIN, 2020), como no de obliterar a tradicional relação dessa cor à feminilidade. Na conclusão, aventam-se algumas questões sobre o autor talvez ainda não devidamente respondidas.
Le discours inaugural de Guimarães Rosa à l'Académie Brésilienne de Lettres reste un texte très peu étudié. À la fois énigmatique et spéculaire, en lui vit l'art rosien de parler de soi-même en parlant d'un autre. Les personnages cités au long du discours, et spécialement la manière dont ils sont morts, cacheraient-ils un ensemble de mystères encore plus grand? En outre, le fait de devenir un immortel au moment d'occuper une chaire à l'Académie, justifierait-il la peur que Rosa avait de mourir?