Três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras, João Guimarães Rosa, o mais recente imortal da Casa fundada por Machado de Assis, vem a falecer, deixando consternados não apenas seus confrades, mas o país inteiro. Este trabalho tem por objetivo apresentar um estudo sobre a imortalidade do escritor de Cordisburgo em três movimentos. Com base nas reflexões de Maurice Blanchot, em “A literatura e o direito à morte” (1997), investiga-se as relações entre morte e imortalidade: primeiro, tentando compreender a repercussão que o evento da morte de Rosa teve na mídia nacional, a partir de hemeroteca criada e mantida pela Academia Brasileira de Letras; segundo, analisando a imortalidade através da linguagem, ao evidenciar de que maneira o autor se imortaliza com sua literatura e pelos desdobramentos crítico-criativos que sua obra provocou; e, terceiro, procurando compreender como o autor imiscui-se em sua própria literatura ao fazer-se personagem de si mesmo, imortalizando-se na e pela linguagem.
ste artigo propõe uma análise da representação da infância em Campo Geral, de Guimarães Rosa, levando em consideração a abordagem sócio-histórica explorada pelo narrador. Neste sentido, apresenta-se uma infância na qual se mesclam elementos antigo-medievais e modernos em constante ciclo de tensão, conforme Jaques Le Goff. Ao analisar o conceito de infância com essa perspectiva, sem refutar os elementos míticos e místicos, consideramos que os componentes contraditórios da narrativa não são solucionados, mas potencializados por meio de ritos de passagem experimentados pelo protagonista Miguilim: os medos, os conflitos, as perdas e as separações que fazem parte dessa concepção antropológica da infância na narrativa rosiana.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre os romances O último suspiro do mouro, de Salman Rushdie, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, a partir de algumas estratégias estruturais dessas narrativas, tais como a do manuscrito encontrado e/ou que se escreve enquanto se ouve o narrador contar a estória; a matéria vertente, ou seja, o que se conta; o agenciamento de diferentes vozes narrativas; o uso de documentos apócrifos que revelam a elaboração de uma memória imaginada; e o recurso ao fantástico, bem como a recriação crítico-criativa da língua do colonizador. Tais estratégias se organizam a partir de uma voz narrativa em primeira pessoa – Moraes Zogoiby e Riobaldo –, os quais, na condição de filhos bastardos ou supostamente bastardos, realizam uma contraescrita da história, de modo a produzirem uma escrita também bastarda, ou seja, o rerrelato, como afirma Salman Rushdie, ou a estória, como argumenta Guimarães Rosa. Tais procedimentos resultam na descolonização da voz narrativa e instituem o que tenho denominado escrita bastarda.
Este artigo pretende desenvolver uma análise comparativa entre a passagem em que o personagem Gavião-Cujo transmite aos jagunços a notícia da morte de Joca Ramiro em Grande Sertão: veredas e a música “Notícia do Norte” do grupo paulista Nhambuzim. As relações intersemióticas devem ser exploradas de modo a proporcionar novas possibilidades de estudo, trabalho e interpretação. Para tanto, foi utilizada a semiótica como ferramenta teórica a partir da perspectiva de autores como Hildo Honório Couto e Lúcia Santaella, além de outros que nos ajudaram no aspecto musical, como Murray Schafer e James Russel. Ao analisarmos o processo intersemiótico, bem como ao avaliarmos até que ponto a música se assemelha ao romance, chegamos à conclusão de que esses sistemas são complementares e ganham novas dimensões quando contrapostos.
Integrante do grupo de pesquisa em literatura e afins – Nonada, coordeno
atualmente o projeto “Enciclopédia do grande sertão”, cuja proposta é reunir reflexões
temáticas de diferentes autores, na forma de verbetes, sobre Grande sertão: veredas. Neste
trabalho, pretendo fazer alguns apontamentos sobre vestígios, pistas e sinais deixados pelo
escritor nos livros de sua biblioteca – hoje sob custódia do IEB – Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo – que remetam ao processo de composição do
romance. Para tanto, fiz um levantamento em toda publicação, constante na biblioteca,
anterior a 1956, ano da primeira edição da narrativa, que contivesse alguma marginália a
servir de índice que levasse ao processo de composição do relato de Riobaldo. Por essas
pistas, é possível entrever os diálogos que o escritor estabelece com os mais variados saberes,
tais como filosofia, religião, matemática, biologia, medicina, geografia, história, literatura,
dentre outros. Assim também o é com as mais diferentes línguas, como o alemão, o espanhol,
o francês, o inglês, o italiano, e outras mais. Através desses sinais, podemos provisoriamente
concluir uma primeira premissa: a natureza enciclopédica (Umberto Eco) de Grande sertão:
veredas, que o projeta como a uma espiral; um redemoinho rumo ao infinito.
Análise comparativa de Maleita, de Lúcio Cardoso e do conto “Sarapalha”, de Guimarães Rosa, tendo como ponto de partida a expressão do outro como doença. Desse modo pretendo discutir como os estranhos são tomados como algo negativo nesses textos a partir dos sujeitos que enunciam o discurso.
O escritor brasileiro, Guimarães Rosa, e o moçambicano, Mia Couto, procuram, a partir da narração performática, materializar no texto literário a tradição oral, retomando em suas produções literárias a performance narrativa dos contadores de estórias de ambas as culturas. O objetivo deste estudo é propor um diálogo entre os livros de contos: Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, e Vozes anoitecidas, de Mia Couto, na perspectiva de seus narradores. Apesar da diferença espaço-temporal que separa essas duas obras, elas mantêm entre si um intenso diálogo. Ambas são semelhantes no que se refere aos recursos utilizados em sua construção como, por exemplo, a singularidade da linguagem, a prosa poética e a tradição oral, fio condutor dessas duas narrativas. Evidenciaremos de que forma a tradição oral está inserida na criação estética desses escritores. Para isso, serão apreciados os contos “Luas de Mel”, de Guimarães Rosa, e “Patanhoca, o cobreiro apaixonado”, de Mia Couto.