Integrante do grupo de pesquisa em literatura e afins – Nonada, coordeno
atualmente o projeto “Enciclopédia do grande sertão”, cuja proposta é reunir reflexões
temáticas de diferentes autores, na forma de verbetes, sobre Grande sertão: veredas. Neste
trabalho, pretendo fazer alguns apontamentos sobre vestígios, pistas e sinais deixados pelo
escritor nos livros de sua biblioteca – hoje sob custódia do IEB – Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo – que remetam ao processo de composição do
romance. Para tanto, fiz um levantamento em toda publicação, constante na biblioteca,
anterior a 1956, ano da primeira edição da narrativa, que contivesse alguma marginália a
servir de índice que levasse ao processo de composição do relato de Riobaldo. Por essas
pistas, é possível entrever os diálogos que o escritor estabelece com os mais variados saberes,
tais como filosofia, religião, matemática, biologia, medicina, geografia, história, literatura,
dentre outros. Assim também o é com as mais diferentes línguas, como o alemão, o espanhol,
o francês, o inglês, o italiano, e outras mais. Através desses sinais, podemos provisoriamente
concluir uma primeira premissa: a natureza enciclopédica (Umberto Eco) de Grande sertão:
veredas, que o projeta como a uma espiral; um redemoinho rumo ao infinito.
Este artigo tem por objetivo analisar certo episódio do romance Grande Sertáo: Veredas, de Joáo Guimaráes Rosa, comumente conhecido e denominado como julgamento de Zé Bebelo, pensando-o como alegoria de momento singular da história republicana nacional, buscando refletir a respeito das convulsões político-institucionais que marcaram a passagem do Império para a República, na qual atraso e modernidade ocupavam seus papéis encarnando respectivamente uma nostálgica ordem imperial e progressista ordem republicana. Pretende-se enfim, compreender até que ponto o espaço conformado em Grande Sertáo: Veredas alegoriza a confrontaçáo entre as dimensões rural e urbana contrastantes na tentativa de estabelecerem sua identidade, num momento de transiçáo política e ideológica para a naçáo.