Este artigo tem por objetivo analisar certo episódio do romance Grande Sertáo: Veredas, de Joáo Guimaráes Rosa, comumente conhecido e denominado como julgamento de Zé Bebelo, pensando-o como alegoria de momento singular da história republicana nacional, buscando refletir a respeito das convulsões político-institucionais que marcaram a passagem do Império para a República, na qual atraso e modernidade ocupavam seus papéis encarnando respectivamente uma nostálgica ordem imperial e progressista ordem republicana. Pretende-se enfim, compreender até que ponto o espaço conformado em Grande Sertáo: Veredas alegoriza a confrontaçáo entre as dimensões rural e urbana contrastantes na tentativa de estabelecerem sua identidade, num momento de transiçáo política e ideológica para a naçáo.
Dialogando com a narrativa de Guimarães Rosa, esse texto procura apontar o trabalho ímpar da linguagem rosiana para processar a mediação entre "fato" e ficção, literatura e história, bem como, refletir em torno das representações do sertão elaboradas em sua narrativa como reveladoras de um espaço maior que a região, espaço nacional. O sertão imaginado na narrativa do autor mineiro, aquém das imagens que instituem a nação homogênea e uma, nos serve como chave de leitura para outro sentido de nação, narrada a partir dos confins da pátria. Sertão que desvela o entre-lugar da nação, atentando para a natureza liminar do grande sertão, no qual a questão dos limites e das margens, da contradição e descontinuidade constituem o cerne da questão nacional.