Mais do que meros contadores de histórias ou estórias, os grandes escritores são capazes de criar universos ficcionais particulares, nos quais as mínimas partes se inter-relacionam dentro de um todo poético articulado. Nesse sentido, todos os elementos constituintes de um enredo combinam-se organicamente de tal modo que, por meio de cada um é possível ver representado o discurso maior pretendido pelo autor, embora somente na complementaridade de um com o outro se possa realmente materializar a totalidade do tecido. Em outras palavras, quando um escritor elabora seu texto, ele está ao mesmo tempo criando um universo particular – porque tudo naquela tessitura se combina de forma muito específica – e geral – na medida em que existe um princípio regente o qual se manifestará em qualquer outro texto produzido por ele. Fosse diferente, bastaria ao escritor (e ao leitor) apenas um único objeto artístico, já que qualquer outro diria exatamente aquilo que um primeiro já teria revelado. Por extensão, do mesmo modo que um conto pode interagir com toda a ficção narrativa que compõe a obra de um artista, dentro dele todas as suas partes estão conectadas numa espécie de jogo metonímico. Partindo, então, da premissa de que todo texto literário é merecedor de uma leitura singularizante, ainda que ele, obviamente, se insira no todo de um projeto estético, optamos por trabalhar em contos homônimos – “O espelho” – de Machado de Assis e de Guimarães Rosa – seus aspectos imagético-simbólicos, dando um destaque especial, sobretudo, para o objeto-tema escolhido por seus autores.
Embora a crítica machadiana e a rosiana já tenha se debruçado sobre essas narrativas, isoladamente, ou por meio de comparação, acreditamos haver alguns aspectos desses contos que merecem ser ainda explorados. Assim, o artigo propõe-se a comparar os dois contos homônimos de Machado de Assis e de Guimarães Rosa, procurando observar os pontos de convergência e os de divergência no que diz respeito à importância das narrativas na produção de cada um dos escritores, na concepção sobre o tema, na construção da história, na escolha dos narradores.
Este artigo discute a temática da loucura por meio da análise dos contos “O alienista”, de Machado de Assis, e “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa; privilegiando a abordagem que neles encontramos dos discursos político e social da época. Esclarecemos que a história faz parte das obras de Machado e Rosa não como instrumento de protesto social, mas como um vínculo indissociável entre literatura e sociedade.
O principal objetivo deste ensaio é discutir duas narrativas cujas protagonistas são mulheres viúvas que confessam suas histórias de amor, seus dramas e suas tramas. Em ambas as narrativas, Machado de Assis e Guimarães Rosa dão a voz a narradoras protagonistas, recurso praticamente desconhecido e discutido pela crítica literária.
Machado de Assis e Guimarães Rosa, autores prestigiados no patrimônio brasileiro da memória literária e cultural, continuam a reafirmar suas produções no centro do cânone, também no século XXI. Em suas trajetórias, o romance ocupa um espaço reconhecido, no entanto cabe considerar que o notável contista Guimarães Rosa escreveu somente um romance e o romancista Machado de Assis, além de ser um dos precursores do conto literário no Brasil, produziu cerca de duas centenas do gênero, o que nos leva a reflexão sobre a importância dessas duas formas literárias como fator da consagração de ambos.
O trabalho realiza um percurso comparativo por três contos que têm figuras de loucos em seu centro – “Darandina” e “Sorôco, sua mãe, sua filha”, de Guimarães Rosa, e “O alienista”, de Machado de Assis –, discutindo as formas que a loucura assume neles e suas relações com a idéia e as demandas de uma certa coletividade, sobretudo a dupla e instável necessidade de romper e manter os limites identitários da dita “normalidade”.
Pretende-se cotejar o conto “O Alienista”, de Machado de Assis, inserido em Papéis avulsos (1882), com o conto “Darandina”, de Guimarães Rosa, publicado em Primeiras estórias (1962). Ambos abordam, de modos distintos e contundentes, as relações entre o poder e o discurso psiquiátrico. Considera-se, ainda, que Guimarães Rosa tenha dialogado explicitamente com o texto machadiano, assim como fez em sua réplica homônima ao conto “O espelho”, também de Machado.
Este artigo apresenta as obras de Machado e Rosa como duas formas complementares
de ultrapassagem do romantismo sentimental que aflige a cultura brasileira nos séculos
XIX e XX. Assim, vemos surgir uma certa continuidade entre os dois autores: isto é, o
princípio de compensação que nos faz passar da ironia prosaica de Machado à
intensidade íntima de G. Rosa, e da volubilidade frívola a uma profundeza
contemplativa ou trágica até então desconhecida na literatura brasileira.