Estabelecemos relações entre memória, cultura e arquivo para refletir sobre o Arquivo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Memória é a possibilidade de dispor de conhecimentos passados que permitem ao homem construir a cultura, que, quando viva, é aberta ao futuro, mas ancorada no passado, dependente de algum tipo de acumulação, que pode se dar por meio dos velhos ou pelo material conservado nos mais variados acervos – arquivos, museus, bibliotecas. Guimarães Rosa, anotando, recortando, classificando e conservando uma grande quantidade de documentos, construiu uma forma de memória objetiva para uso posterior na produção literária, uso que realizou de maneira muito especial no que se refere ao sertão.
Propomos discutir como Os sertões foi incorporado, pela crítica, como obra de literatura e como, posteriormente, o romance Grande sertão: veredas passou a ser lido como ensaio. Para tanto, examina-se, de um lado, em vários estudos, como o primeiro foi consagrado como obra compósita, pertencendo, ao mesmo tempo, ao campo da literatura, da sociologia e da ciência, o que se tornou moeda corrente e cânone quase inquestionável, sobrevivendo por mais de um século. De outro lado, investiga-se como a narrativa rosiana passou a ser vista, por uma determinada vertente da crítica, como ensaio ou estudo das relações de poder no Brasil. É essa indistinção, paradoxal, entre sociologia e literatura, ciência e ficção que nos propomos investigar e problematizar, buscando compreender tal embaralhamento de gêneros.
A criação neológica estilística enfeixa a criatividade lexical e a neologia semântica. A neologia de sentido consiste no emprego de um significante já existente na língua c om um conteúdo que ele não possuía, ou porque o conteúdo é novo ou porque, até aquele momento, era expresso por outro significante. No texto literário, uma criação resultante desse tipo de procedimento tende a não se repetir. É o que chamamos de neologia semântica estilística. Nessa operação, a estrutura da frase tem função básica, pois, no mínimo, é necessário um sintagma para que surja novo sentido. A partir de algumas relações sintagmáticas, estudamos certos modos de manifestação da neologia semântica em Grande sertão: veredas.
O texto tem por objetivo analisar como o regionalismo, centrado na representação de relações sociais e humanas e relacionado ao universalismo, tem sido aplicado a Guimarães Rosa e como se mantém atualmente num escritor como Ronaldo Correia de Brito. Para tanto, apresenta reflexões sobre a sobrevivência do termo regionalismo, sua aplicação à obra rosiana -- especialmente em uma composição de Tutaméia -- e sua reposição na atualidade em um conto de Correia de Brito.
Na composição do sertão rosiano, os animais são presença constante. Embora, de todas as imagens, as dos animais sejam as mais comuns, em Grande sertão: veredas, chama a atenção não apenas o grande número de vezes em que eles aparecem, como as peculiaridades que revestem tal freqüência. O levantamento das ocorrências mais significativas da presença animal no texto, quer como tema quer como figura, e a análise da maneira como elas se dão mostram que o imaginário do sertão relativo a esse aspecto resulta da combinação de imagens tidas como universais e imagens particulares.
O termo regionalismo, cunhado no século XIX para caracterizar a literatura produzida fora do Rio
de Janeiro, nas províncias, sobreviveu ao tempo. Conceito abrangente, passou a englobar autores e
obras os mais diversos, de diferentes regiões e períodos históricos, o que levou ao nivelamento de
textos de valor estético-literário díspar. Baseando-se num critério genérico e tradicional de
regionalismo, alguns críticos colocam num mesmo patamar estético-literário autores que vão de F.
Távora a J. Lins do Rego, de Simões Lopes Neto a Graciliano Ramos, de A. Arinos a Guimarães
Rosa. Como a produção rosiana passou a ser rotulada com a marca de regionalista, Antonio
Candido, entre outros estudiosos, tratou de diferenciá-la, lançando mão da noção de superregionalismo e Alfredo Bosi, da noção de romance de tensão transfigurada. Entendemos que, não
obstante a existência de muitos estudos sobre essa temática, é válida a problematização e a revisão
da caracterização da produção rosiana como