Este artigo parte de um estudo realizado no arquivo de João Guimarães Rosa, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Nele, a forma literária é percebida como uma tomada de posição que supõe um posicionamento do escritor no interior das contradições do processo social. Nesse sentido, defendo a ideia de que, em “Meu tio o iauaretê”, a conversa desnivelada, padrão narrativo também pre- sente em outros textos do autor, ataca a questão da desigualdade bra- sileira, representando-a.
Este texto se destina a informar os passos iniciais da pesquisa que venho realizando sobre a novela “Meu tio o iauaretê”, de João Guimarães Rosa. Ao inscrever a pesquisa na linha de interpretações sociológicas, históricas e políticas, não deixo de observar elementos que dizem respeito à genética do texto, como demonstra o pontapé inicial do estudo realizado no arquivo do escritor no IEB/USP. Neste estudo, a forma literária é percebida como uma tomada de posição que supõe um posicionamento do escritor no interior das contradições do processo social. Defendo a ideia de que a conversa desnivelada, padrão narrativo também presente em outros textos do autor, ataca a questão da desigualdade brasileira a um só tempo compreendendo-a e criticando-a.
Este ensaio propõe pensar, a partir de "Meu tio o Iauaretê", de Guimarães Rosa, o devir-índio de um sertanejo e o devir-onça de um índio como jaguaridade potencial do índio, ou seja, como devoração do ponto-devista do outro; sem esquecer o devir-índio de uma onça e a potencialidade canibal (humana) do jaguar, sua capacidade de assumir a posição de sujeito e colocar em questão a dicotomia humano-inumano.
O objetivo do artigo é discutir os pressupostos teóricos de duas interpretações referenciais do conto rosiano “Meu tio o iauaretê”: a de Haroldo de Campos (“A linguagem do iauaretê”, com primeira publicação em 1962) e a de Walnice Galvão (“O impossível retorno”, com primeira publicação em 1975). Nesse sentido, realizamos primeiramente uma síntese detalhada do conto e dos dois ensaios para, na sequência, examinar e discutir os pressupostos das interpretações.
Traduzir "Meu tio o iauaretê" para o espanhol foi o ponto de partida des te ensaio. A experiência da trad ução revelou à a u tora a com plexa elaboração d e uma língua artificial que o autor cria para o seu narrador: ao mesmo tempo em que mostra a sua cultura misturada, como a sua língua, oculta significados na linguagem aparentemente interjetiva e onomatopéica domestiço. A língua artificial mente criada pelo autor constitui-se na representação da complexidade da existência do narrador e as contradições insuperáveis da sua situação. O ensa i o analisa o processo de criação da "língua d o iauaretê", a posição de Guimarães Rosa a respeito da cultura indíge na, a possível vinculação com Hombres de maíz de M.A. Asturias e com José María Arguedas, e a dívida e homenagem ao indianismo de Gonçalves Dias.