A sobreposição das coordenadas dos principais cenários geográficos de Corpo de baile ao mapa dos percursos de Riobaldo em Grande sertão: veredas revela uma significativa intertextualidade topográfica, produto da ancestralidade genética comum aos dois livros-irmãos. Este artigo procura demonstrar a articulação geográfica e alegórica entre as sete novelas e o romance a partir do dialogismo mapa ↔ texto. No nível microcósmico dos cenários das tramas, destaca-se o vivaz alegorismo dos lugares e espécies naturais do Sertão, espelhado nas formas geodésicas das narrativas.
O estudo da geografia das tramas romanescas proporciona uma insuspeita rota de acesso àsentranhas do funcionamento da ficção. Como demonstram trabalhos recentes no campo da ge-ocrítica, a implicação biunívoca entre texto literário e contexto geográfico é determinante dasinjunções espaçotemporais das narrativas. A partir da hipótese de que o embate “sertão” x “ci-dade” constitui uma dominante subjacente a alguns entre os momentos-chave do romancebrasileiro no século XX, este artigo propõe um breve roteiro para o mapeamento desses livrosdecisivos da nacionalidade. A cartografia, sustenta-se, pode fornecer uma conveniente mesade navegação para a travessia diacrônica da história literária, permitindo igualmente avaliarno quadro do mapa as transformações dos pressupostos geopolíticos e ideológicos da prosaromanesca. O rastreamento de episódios ficcionais em cartas contemporâneas da escrita doslivros – bem como da cronologia da narração – permite colocar em relação no tabuleiro sim-bólico da cartografia literária os vetores mais importantes das cronotopias narrativas e da elo-cução da figuratividade do espaço. Machado de Assis e Guimarães Rosa são os romancistasque orientam os diferentes modos de percepção do espaço ao longo do século, em paralelocom as metamorfoses territoriais do Brasil.
Se, como propõe Dominique Maingueneau, o romance pode ser consi-derado um macroato de fala ficcional, o mapeamento das posições das vozes narrativas e pontos de vista no espaço reconstruído pela narrativa adquire importância especial para a análise geocrítica. Este artigo analisa alguns regimes geoestratégicos do romance brasileiro no quadro histórico da conquista territorial do sertão pelas cidades no século XX, com destaque para a participação da cartografia no repertório espacial de romancistas selecionados.
A inteligibilidade do céu noturno em momentos-chave de Corpo de baile aponta para uma elaborada alegorização das posições de certas estrelas e constelações. Esta leitura procura demonstrar a interpenetração entre céu e terra, dia e noite nos panos de fundo siderais das tramas de Rosa, com foco em “O recado do morro”, conto central do livro, e nas estritas condições de visibilidade da alegoria rosiana.
Dados toponímicos, corográficos e geodésicos colhidos em Corpo de baile permitem visualizar a unidade das partes (“poemas”) do livro no mapa de Minas Gerais. Ao seguir pelo avesso a “loxía” proferida por Gorgulho, o primeiro recadeiro de “O recado do morro”, percebe-se que as coordenadas geográficas dos cenários dos sete poemas desenham uma imagem constelar do “teatro de palcos múltiplos” rosiano. Na cartografia do Sertão, as posições dos membros do baile ficcional, quando carregadas comos atributos dos planetas enxergados no livro por Heloísa Vilhena de Araújo, determinam uma reveladora transposição anamórfica dos polos alegóricos que controlam os movimentos de motivos, temas e personagens entre os poemas. O mapa é a partitura em que se unificam as distintas temporalidades dos enredos, reproduzindo as correspondências entre micro- e macrocosmo sugeridas pelas epígrafes de Plotino.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas / Literatura Brasileira
Dados toponímicos, corográficos e geodésicos colhidos em "Corpo de baile" permitem visualizar a unidade das partes ("poemas") do livro no mapa de Minas Gerais. Ao seguir pelo avesso a "loxía" proferida por Gorgulho, o primeiro recadeiro de "O recado do morro", percebe-se que as coordenadas geográficas dos cenários dos sete poemas desenham uma imagem constelar do teatro de palcos múltiplos rosiano. Na cartografia do Sertão, as posições dos membros do baile ficcional, quando carregadas com os atributos dos planetas enxergados no livro por Heloísa Vilhena de Araújo, determinam uma reveladora transposição anamórfica dos polos alegóricos que controlam os movimentos de motivos, temas e personagens entre os poemas. O mapa é a partitura em que se unificam as distintas temporalidades dos enredos, reproduzindo as correspondências entre micro- e macrocosmo efetuadas nos panos de fundo naturais. Procura-se demonstrar como a cenografia de Rosa transcende o realismo de suas fontes científico-naturalistas - em que se destacam cartas geográficas, literatura de navegação e relatos de exploradores e viajantes - ao engendrar uma minuciosa reprodução da forma interna da Natureza na visualidade inteligível das paisagens ficcionais.