O conto “A menina de lá”, de Guimarães Rosa, aparentemente, nos evoca uma leitura recorrente em relação à obra rosiana: um estudo centrado na presença de elementos mágicos no texto. Entretanto, acreditamos que o conto deixa à mostra como uma situação comum pode ser construída como extraordinária tanto por parte dos personagens quanto por parte do narrador da história. Na narrativa, há uma mescla de elementos religiosos e de fábulas que são acionados para entender a fala e as ações da protagonista Maria, chamada de Nhinhinha. Os personagens do conto apostam numa chave de entendimento do comportamento da menina - ela faria milagres-, embora percebamos que todos os episódios vistos como milagrosos, na realidade, poderiam ser pensados também como eventos comuns, se atentarmos à própria mescla de fábulas e religião a que o imaginário infantil está exposto. Guimarães Rosa explora, nesse conto, a potência dos eventos comuns e as diferentes formas de lidar com eles.
Terceiras estórias é o subtítulo do livro de contos Tutaméia, de Guimarães Rosa. Essa expressão incita em muitos críticos o questionamento do que seriam as “terceiras estórias”, ou seja, o que significaria essa aparente ordenação, uma vez que apenas existem as “primeiras estórias”. Propomos uma reflexão sobre esse aspecto para concluirmos que os contos de Guimarães Rosa discutem o panorama complexo de nossa modernização a partir de seus narradores. Esta categoria narrativa deixa à mostra o jogo de poderes em nossa sociedade em histórias que irão se construindo em paralelo ao enredo aparente das narrativas. Para observarmos isso, leremos o conto “Tapiiraiauara”, em que notamos um narrador que constrói uma antipatia por uma espécie de coronel do sertão, mas, ao mesmo tempo, se serve de estratégias que são próprias do mundo que denuncia. Há no conto uma percepção do lugar volúvel que é o poder em nossa sociedade. Por isso, vemos esmiuçadas várias estratégias discursivas que podem acessar o poder de diferentes frentes, seja pelo repertório da modernidade, seja pelo do mundo patriarcal.