A literatura, enquanto bem simbólico constitui-se um dos graus mais elevados de expressão cultural de um povo. A atividade literária de um povo expressa-se por meio do seu legado e fornece farto e fértil material para um vasto sistema de trocas e releituras, instigando novos e diversificados olhares. No estudo que vimos realizando percebemos que um dos motivos recorrentes nas narrativas breves de Guimarães Rosa e Manuel Bandeira é a leviandade amorosa. Constatamos que as narrativas Desenredo de Guimarães Rosa e Tragédia Brasileira de Manuel Bandeira, selecionadas para este trabalho, além de serem a expressão criativa de autores brasileiros representantes do estilo Modernista em suas diferentes fases, se comunicam esteticamente com um dos eixos temáticos que estruturam a clássica obra Ilíada, de Homero. Instiga-nos perceber em que medida a memóriadiscursiva que permeia a (re)leitura que as produções fazem do tema, se alicerça em uma confluência entre o clássico e o contemporâneo.
Estas considerações examinam o diálogo intergeracional empreendido por João Guimarães Rosa com Manuel Bandeira. A interdiscursividade própria da consolidação de um sistema de produção e recepção literárias, nos termos de Antonio Candido, se torna contundente não somente nas relações co-textuais encontradas no corpus em tela, mas, sobretudo, no trespasse de fronteiras convencionais entre o poético e o diegético. Enfatizamos ainda a relevância da oralidade como elemento de ligação entre os dois modos de expressão, assim como fator de inclusão do “popular” no desequilíbrio da cultura letrada e da lógica racionalista, seja na cena urbana ou na sertaneja. Utilizamos para tal discussão o poema “Tragédia brasileira”, de Bandeira, e o conto “Desenredo”, de Rosa, buscando em Walter Benjamin referenciais teóricos de apoio ao trânsito proposto.
As situações práticas de comunicação envolvem, em geral, a atuação simultânea de símbolos, índices e ícones. A semiose de um texto literário não é diferente, o que torna praticamente impossível isolarmos um texto puramente simbólico, indexical ou icônico. Podemos, todavia, identificar contextos em que um desses modos de representar sobressai aos demais, tornando-se determinante para a compreensão dos efeitos expressivos que o texto busca ressaltar. O objetivo deste artigo é descrever situações de leitura nas quais a ênfase em cada uma dessas três formas de representação determina a apreensão de sentidos específicos nos poemas e narrativas examinados. Com essa finalidade, valemo-nos do aporte teórico proveniente da Teoria Geral dos Signos, cuja base é o pensamento do filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce, do qual destacamos a segunda tricotomia dos signos, centrada nas relações possíveis entre as representações e seus objetos. Os conceitos são retomados inicialmente em seu sentido teórico geral para, em seguida, serem aplicados ao contexto específico da linguagem literária, a partir de comentários sobre poemas e narrativas de autores representativos da literatura brasileira, como Manuel Bandeira, João Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, entre outros. Mais do que traçar um esquema de classificações, as leituras propostas pretendem demonstrar como a apreensão dos componentes simbólicos, indexicais e icônicos presentes nos textos examinados implicam diferentes estratégias de cognição do fenômeno literário.