Valdomiro Silveira reduz sua narrativa "Salvação" à história de animais, sem ser uma fábula, e inclui-se no conjunto de obras que, para evitar a explicitação do erotismo, encobre o amor com medo. "A hora e vez de Augusto Matraga" não camufla o erotismo e dá sentido à personagem e ao texto, aproveitando como forma a saga nordestina (cordel), a história de vida de santos, o tema do "Judeu Errante" e a parábola. A força dos contos de Sagarana advém do sistemático aproveitamento dos pequenos gêneros, que se encontram na oralidade e que servem de base tanto para a produção, como para a recepção de textos ou de enunciações. A oralidade, que serve para mostrar o caipira de espiritualidade profunda, é também recurso manutensor do segredo religioso.
Depois de um breve mapeamento de como a crítica literária já associou os nomes de Guimarães Rosa e Valdomiro Silveira, passamos à análise comparativa de "Substância" e "Cena de amor", verificando não propriamente uma relação intertextual entre esses contos, mas uma série de expressivas semelhanças estruturais e temáticas que os aproxima. Como resultado, propomos a validade de se recuperar e valorizar um texto escrito por um escritor "menor", por meio de seu diálogo e contraste com uma criação de um autor consagrado e a constatação de seu papel específico de veiculação de diferentes sentidos e visões de mundo.
Este artigo analisa os livros regionalistas Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto, Lereias, de Valdomiro Silveira e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, que possuem em comum a narração em primeira pessoa. Objetiva-se compreender a criação de um sujeito ficcional que elabora um discurso que simula a fala típica de regiões específicas do país: o Sul, o interior paulista e o sertão mineiro, respectivamente. Uma das principais problemáticas que se impõem é a da oralidade, já que essas obras adotam adaptações de linguagem em busca de simular a expressão oral. Analisa-se também a forma como essa literatura lida com a perspectiva da subjetividade, levando em conta que a adoção da primeira pessoa convida à criação de situações emotivas e íntimas, direcionando frequentemente o texto no sentido da confissão. Por fim, observamos o quanto este tipo de “escrita do Eu” funda-se, na verdade, em uma espécie de “discurso do Outro” interno à economia da narrativa, demonstrando, assim, a autoconsciência da obra regionalista como uma linguagem mediadora entre as diferenças internas à cultura nacional.
A tese é um estudo de um percurso de sentido - a poética do boi - de Alencar a Rosa, passando pelos pré-modernistas Simões Lopes Neto e Valdomiro Silveira. Em Alencar, o boi é sagrado, apolíneo. Nos autores pré-modernistas, oscila entre o sagrado e o profano, o apolíneo e o dionisíaco. Por último, em Rosa, é humano. O estudo de um mesmo tema em três recortes simbólicos traz considerações sobre uma poética intertextual, o metadiscurso, inserido no próprio bojo das narrativas, e mitopoesia, pois a imagem animal é o principal objeto de leitura. Alencar retoma a poética da tradição greco-latina e bíblica, os pré-modernistas a paisagem idílica e o imaginário popular, e Rosa o pensamento selvagem. Alencar e Rosa ainda referenciam o sertão, uma prática social e um intertexto, transformado em paisagem literária. A análise das narrativas não se prende a um modelo teórico, mas enfatiza os procedimentos construtivos ou temáticos que se mostraram mais significativos para a construção do sentido em determinado texto.