Este artigo examina as obras de João Guimarães Rosa, Mário de Andrade e João Simões Lopes Neto com o objetivo de verificar em que medida pontos de contato identificados na ficção desses autores promovem rearranjos na série literária brasileira. O estudo parte da noção de tradição literária, tal qual formulada por T. S. Eliot e Jorge Luis Borges, e, em seguida, procura mapear a ocorrência de ressonâncias das principais obras de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto na literatura de Guimarães Rosa. Assim procedendo, pretende averiguar como a obra de Guimarães Rosa ressignifica os textos de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto, renovando sua legibilidade e modificando sua posição no campo literário.
Este artigo analisa os livros regionalistas Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto, Lereias, de Valdomiro Silveira e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, que possuem em comum a narração em primeira pessoa. Objetiva-se compreender a criação de um sujeito ficcional que elabora um discurso que simula a fala típica de regiões específicas do país: o Sul, o interior paulista e o sertão mineiro, respectivamente. Uma das principais problemáticas que se impõem é a da oralidade, já que essas obras adotam adaptações de linguagem em busca de simular a expressão oral. Analisa-se também a forma como essa literatura lida com a perspectiva da subjetividade, levando em conta que a adoção da primeira pessoa convida à criação de situações emotivas e íntimas, direcionando frequentemente o texto no sentido da confissão. Por fim, observamos o quanto este tipo de “escrita do Eu” funda-se, na verdade, em uma espécie de “discurso do Outro” interno à economia da narrativa, demonstrando, assim, a autoconsciência da obra regionalista como uma linguagem mediadora entre as diferenças internas à cultura nacional.
[Histórias incompletas, Graciliano Ramos
Contos gauchescos, Simões Lopes Neto
(reedição)
“E por falar em regionalismo, convém lembrar que se esgotou em poucos dias a primeira edição de Sagarana, o livro com que o sr. J. Guimarães Rosa fez sua estréia na ficção. A Editora Universal já está, mesmo, cogitando de lançar a segunda edição, tantos são os pedidos que não puderam ser atendidos.”
Érico Veríssimo estás escrevendo “A volta do gato preto”
Chama e cinza, Carolina Nabuco
(no prelo)
Escravas do amor, Suzana Flag]
Este pequeno estudo apresenta as linhas gerais de uma discussão que mal começa no país: uma revisão da literatura que se ocupa do mundo interiorano, aqui chamado de sertão (por motivos que são explicados logo de início),para apreciá-la em sua dimensão de luto por um mundo que progressivamente vai sendo alcançado pela lógica do mercado, da cidade, da mercadoria. No centro dessa discussão, aparecem duas figuras de enorme valor literário, o escritor gaúcho Simões Lopes Neto e o escritor mineiro Guimarães Rosa. Do primeiro se analisam as condições conjunturais de sua produção literária; a seguir, são examinadas algumas aproximações entre sua obra e a de Rosa.
A tese de doutoramento ora apresentada promove uma leitura de parte da obra de cinco autores regionalistas brasileiros, em textos publicados entre o princípio do século XX e meados da década de 60 do mesmo século, a fim de observar os significados do humor, pautado na relação entre cômico e trágico, em diferentes momentos do regionalismo literário no Brasil. A escolha do corpus da pesquisa, em que constam Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto, Urupês, de Monteiro Lobato, Fogo morto, de José Lins do Rego, Sagarana, de João Guimarães Rosa e O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, procurou contemplar diferentes modelos de composição da prosa literária de feição regionalista, o que possibilitou a reflexão em torno da natureza de diferentes realizações do regionalismo no século XX. A análise das obras, sob o prisma do humor, permitiu que se verificasse a articulação entre a natureza reflexiva e as particularidades da forma humorística e o processo de desenvolvimento, consolidação e transfiguração da tonalidade crítica de que se revestiu o texto regionalista no Brasil. A leitura das obras propostas permite constatar que, por meio de diferentes estruturas narrativas, o humor articula-se à inserção de temporalidades que se agregam à espacialidade do texto, promovendo um aprofundamento da análise do sujeito que habita um único espaço, mas transita entre diferentes tempos.
A tese é um estudo de um percurso de sentido - a poética do boi - de Alencar a Rosa, passando pelos pré-modernistas Simões Lopes Neto e Valdomiro Silveira. Em Alencar, o boi é sagrado, apolíneo. Nos autores pré-modernistas, oscila entre o sagrado e o profano, o apolíneo e o dionisíaco. Por último, em Rosa, é humano. O estudo de um mesmo tema em três recortes simbólicos traz considerações sobre uma poética intertextual, o metadiscurso, inserido no próprio bojo das narrativas, e mitopoesia, pois a imagem animal é o principal objeto de leitura. Alencar retoma a poética da tradição greco-latina e bíblica, os pré-modernistas a paisagem idílica e o imaginário popular, e Rosa o pensamento selvagem. Alencar e Rosa ainda referenciam o sertão, uma prática social e um intertexto, transformado em paisagem literária. A análise das narrativas não se prende a um modelo teórico, mas enfatiza os procedimentos construtivos ou temáticos que se mostraram mais significativos para a construção do sentido em determinado texto.
A presente pesquisa consiste em uma a análise comparativa entre as estruturas de narração das obras Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Nosso trabalho parte do princípio de que Simões Lopes Neto visava, por meio de seu texto: resgatar, registrar e perpetuar aspectos importantes do legado regional sul-rio-grandense. Para tanto, ampara-se em uma estratégia de narração já consagrada pela tradição literária, mas que ainda não aplicara-se à matéria regional. Tal expediente opera por intermédio da interação de quatro recursos: a nota de abertura, a fixação de um perfil de narrador regional, a opção pelo diálogo e a inserção de um interlocutor jovem. Entendemos que tal modelo foi absorvido por Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas, e inovado por ele. Essa projeção de ações, que compreende a criação de um modelo, sua posterior influenciação em outro, culminando em sua recriação e renovação, denominamos como processo de cristalização, mediação e inovação. Para identificá-lo, partimos de um levantamento das avaliações críticas acerca do regionalismo com o intento de defini-lo e atualizá-lo. Posteriormente, examinamos os contextos de produção das duas obras, objetivando identificar seu campo de influência. Finalmente, para compararmos as duas estruturas de narração, adotamos, como suporte teórico, o ensaio de Walter Benjamim O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov (1936), tencionando o perfilamento do modelo de narrador e os postulados de Dal Farra acerca do narrador em primeira pessoa e seu caráter ideológico. Do estudo benjaminiano, selecionamos três categorias para aproximação dos narradores Blau Nunes e Riobaldo: memória, loquacidade e conselho. Posteriormente, adotamos os postulados de Genette, a respeito da hipertextualidade, para seleção de critérios de comparação, especificamente: a transposição e a forjação. Após tais levantamentos, comparamos as estruturas de narração das duas obras, a partir de suas semelhanças, tendo como meta, em um primeiro momento, identificá-las e, posteriormente, reconhecer de que maneira se operaram os processos de absorção, de mediação e de inovação.